7/24/2023 01:00:00 PM

Crítica: Afire

Afire
Imagem: DIVULGAÇÃO

“Naquele ritmo eu escreveria no máximo uma página por dia. Então percebi qual era o problema. Eu precisava de experiência. Como é que eu poderia escrever sobre a vida se nunca tivera um caso amoroso ou um filho, ou vira alguém morrer?” – Sylvia Plath, A redoma de vidro.

Em dado momento de “Afire” percebi que o problema de Leon não era apenas o egocentrismo ou a chatice inata a sua pessoa, o problema dele e o que mais o afeta em relação ao seu novo livro é a falta de experiência de vida.

Toda vez que vejo um filme, eu não consigo escrever sobre ele sem o relacionar com algo meu, um sentimento, um fato que aconteceu comigo ou com alguma pessoa ao meu redor. É cada vez mais difícil para mim escrever, de maneira geral, mas quando eu não vejo nada com o qual eu possa relacionar a obra comigo, escrever se torna ainda mais insuportável.

Leon, protagonista do novo filme de Christian Petzold, tem esse como um dos seus vários problemas. Passando um tempo na casa na praia de um amigo, ele trata tanto o amigo, Félix, quanto Nadya (Paula Beer), de forma grosseira pela frustração pessoal de não conseguir ser bom no que faz.

Esse é um dos vários incêndios (título do filme em tradução literal) que acontecem naquela praia, enquanto acompanhamos Leon descobrindo e como bom frustrado, não sabendo lidar com essa descoberta, que está se apaixonando por Nadya, ele percebe que nesse momento, nessa viagem, ele está passando por uma experiência que nunca teve.

Por mais que muitas vezes o protagonista seja irritante, é meio difícil não se encantar por Nadya, não apenas devido a sua inteligência aguçada e simpatia, mas também pelo fato de não esconder que o incêndio dela (assim como o de todos nós, acredito) é puramente sentimental.

E que os sentimentos não devem ser escondidos, pelo contrário, eles devem ser mostrados, expostos para as pessoas que gostamos e achamos merecer esse fogo. Nem todo mundo vai queimar como uma floresta quando receber esses sentimentos, mas talvez isso faça parte de cada incêndio, alguns vão dar espaço para um solo mais fértil crescer, outros apenas irão destruir tudo o que está no caminho.

Nosso papel, assim como o de Leon é não permitir que sejamos destruídos. Não pelo incêndio do outro, mas pelo nosso. Como dito, ele é chato e isso também é um tipo de incêndio, o qual ele estava, às vezes por vontade própria (como no caso de Devid, uma amizade que seus colegas de quarto fazem durante a viagem), às vezes por não ter a experiência para lidar com o outro, como no caso de Félix, que claramente concede muita coisa em prol daquela amizade, e principalmente no caso de Nadya, já que ele não sabe lidar com o amor que está sentindo e com a gentileza daquela mulher.

Leon é extremamente autocentrado e está, muito devido à presença de Nadya, mas também por conta de uma necessidade de seu trabalho, aprendendo a olhar para os outros antes de olhar para ele mesmo. Esse olhar não apenas o fará escrever melhor, mas também o fará crescer como pessoa e assim, se tornar alguém mais atraente, não apenas no ponto de vista amoroso, mas principalmente no ponto de vista social, já que eu duvido que alguém queira ficar perto de uma personalidade como a dele por muito tempo. 

É impossível para ele escrever algo bom se ele não bota os próprios sentimentos no papel. Acho que os últimos quarenta minutos do filme mostram como “Afire” é sobre essa tomada de consciência. Não tem como escrever (ou fazer a grande maioria das coisas) sem sentir e sem assumir que sente, sem expor isso.

Escrever é incendiar com suas experiências e sentimentos o papel e o assunto sobre o qual está se escrevendo. Viver talvez seja a admissão de que o incêndio é constante em nós e que o incêndio mais intenso é o amor, independente de suas formas.

“Afire” é um processo de autodescoberta, viver, descobrir, relembrar os nossos próprios incêndios e entender que muitos de nós podemos ser tão encantadores como Nadya ou chatos como Leon. Depende de como acordamos no dia.

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