9/05/2016 01:17:00 PM

Crítica: Aquarius

Aquarius
Imagem do portal UOL
Uma cômoda, onde, há vários anos atrás, momentos de paixão foram vividos, uma festa de família, na qual se comemora um aniversario, e onde todos, de várias idades, estão ali reunidos e um piano, onde uma das parentes passa a tocar uma música parabenizando a aniversariante.

A cômoda e o piano foram, assim como o apartamento, mantidos por Clara (Sonia Braga) no edifício Aquarius, onde a mulher trava uma briga com uma construtora para não deixar o prédio onde morou a vida toda. No filme de Kleber Mendonça Filho, o que foi descrito acima é tratado com absoluto respeito, as lembranças não são apenas recorrentes na vida de Clara, mas são um personagem da obra.




Aqui, vemos uma mulher que ama a sua família, e que cometeu erros, como qualquer outra pessoa, mas que tenta ser feliz mesmo assim, e o apartamento, que é um dos motivos de Clara ser tão feliz, tem lembranças que não pode ser destruídas como propõe a construtora.  Ali vemos toda uma historia, de superação, felicidades e tristezas, e tudo isso se resume na lição do filme, que é a de respeitar o passado, até porque, vivemos em uma sociedade, na qual o passado é esquecido muito rapidamente.

Esse passado é retratado não apenas pelo apartamento e mobília, mas também pela profissão de Clara e o modo como a exerce, ela é jornalista e sua especialidade é musica, há na moradia, vários LPs, livros, pôsteres de filmes antigos, porém, também tem um notebook, celular, tv de tela plana, isso mostra um saudosismo e uma vontade de viver de acordo com os dias atuais.

Vontade que é soberbamente retratada no olhar de Sonia Braga, que traz neste filme, possivelmente a melhor atuação de sua já brilhante carreira, apenas pelo olhar da mulher, vemos força, sensibilidade, um amor absurdo pela musica, que também é exposto pela expressão dela a escutar cada acorde, ou pela maneira de se movimentar quando uma música toca, e esse amor também é familiar, pelos filhos, netos, sobrinho, irmão. Tudo naquela mulher é amor, mas existe também uma raiva, uma revolução interna, um sentimento de briga, que apenas em um filme bem desenvolvido, com uma historia bem contada, e com uma atriz talentosa no papel principal é possível perceber. E esses sentimentos, esse amor e essa raiva, são expressadas também através do cabelo da atriz, que no inicio da projeção está curto, e no decorrer do filme, está longo, expondo um crescimento pessoal, físico e de experiências de vida. Além de que, em momentos de raiva, o cabelo está preso, e de amor, estão soltos, porém há certas ocasiões de afeto, na qual os fios estão amarrados, o que significa que apesar da raiva, o amor predomina.

Nos enquadramentos, quase sempre vemos Clara, ou no meio do plano, ou entre um objeto ou paisagem, são formas de divisão de cena, usadas pelo diretor, que não são apenas divisões físicas, e sim, representa uma briga interna da personagem, “Ficar ou não ficar no apartamento?”, “Vender ou não?”, essas perguntas estão sempre presentes. E se estão presentes, é por conta de seu elenco excelente, Diego, comandante do projeto, vivido por Humberto Carrão, faz do vilão, alguém complexo, multifacetado e uma pessoa muito cruel, já Irandhir Santos, que interpreta Roberval, é um amigo necessário a protagonista que enfrenta uma solidão intensa e difícil, apesar de estar cercada de pessoas.

Não há, ao assistir “Aquarius”, como não sentir nada, é impossível, vendo as situações familiares ali descritas, vendo como Clara leva a vida, e a briga dela com a construtora, como não se comover, como não criar empatia pela historia e pela personagem. Kleber Mendonça Filho em um pouco mais de duas horas de duração, conseguiu fazer um filme, que comove, educa e nos faz refletir sobre a vida que levamos. Basicamente, a educação e a reflexão que são a síntese do cinema, são brilhantemente representadas por um incrível diretor e uma maravilhosa obra – prima.

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