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Uma cômoda, onde, há vários anos atrás, momentos de
paixão foram vividos, uma festa de família, na qual se comemora um aniversario,
e onde todos, de várias idades, estão ali reunidos e um piano, onde uma das
parentes passa a tocar uma música parabenizando a aniversariante.
A cômoda e o piano foram, assim como o apartamento,
mantidos por Clara (Sonia Braga) no edifício Aquarius, onde a mulher trava uma
briga com uma construtora para não deixar o prédio onde morou a vida toda. No
filme de Kleber Mendonça Filho, o que foi descrito acima é tratado com absoluto
respeito, as lembranças não são apenas recorrentes na vida de Clara, mas são um
personagem da obra.
Aqui, vemos uma mulher que ama a sua família, e que
cometeu erros, como qualquer outra pessoa, mas que tenta ser feliz mesmo assim, e o apartamento, que é um
dos motivos de Clara ser tão feliz, tem lembranças que não pode ser destruídas
como propõe a construtora. Ali vemos
toda uma historia, de superação, felicidades e tristezas, e tudo isso se resume
na lição do filme, que é a de respeitar o passado, até porque, vivemos em uma
sociedade, na qual o passado é esquecido muito rapidamente.
Esse passado é retratado não apenas pelo apartamento
e mobília, mas também pela profissão de Clara e o modo como a exerce, ela é
jornalista e sua especialidade é musica, há na moradia, vários LPs, livros, pôsteres
de filmes antigos, porém, também tem um notebook, celular, tv de tela plana,
isso mostra um saudosismo e uma vontade de viver de acordo com os dias atuais.
Vontade que é soberbamente retratada no olhar de
Sonia Braga, que traz neste filme, possivelmente a melhor atuação de sua já
brilhante carreira, apenas pelo olhar da mulher, vemos força, sensibilidade, um
amor absurdo pela musica, que também é exposto pela expressão dela a escutar
cada acorde, ou pela maneira de se movimentar quando uma música toca, e esse
amor também é familiar, pelos filhos, netos, sobrinho, irmão. Tudo naquela
mulher é amor, mas existe também uma raiva, uma revolução interna, um
sentimento de briga, que apenas em um filme bem desenvolvido, com uma historia
bem contada, e com uma atriz talentosa no papel principal é possível perceber.
E esses sentimentos, esse amor e essa raiva, são expressadas também através do
cabelo da atriz, que no inicio da projeção está curto, e no decorrer do filme,
está longo, expondo um crescimento pessoal, físico e de experiências de vida.
Além de que, em momentos de raiva, o cabelo está preso, e de amor, estão
soltos, porém há certas ocasiões de afeto, na qual os fios estão amarrados, o
que significa que apesar da raiva, o amor predomina.
Nos enquadramentos, quase sempre vemos Clara, ou no
meio do plano, ou entre um objeto ou paisagem, são formas de divisão de cena,
usadas pelo diretor, que não são apenas divisões físicas, e sim, representa uma
briga interna da personagem, “Ficar ou não ficar no apartamento?”, “Vender ou
não?”, essas perguntas estão sempre presentes. E se estão presentes, é por
conta de seu elenco excelente, Diego, comandante do projeto, vivido por
Humberto Carrão, faz do vilão, alguém complexo, multifacetado e uma pessoa
muito cruel, já Irandhir Santos, que interpreta Roberval, é um amigo necessário
a protagonista que enfrenta uma solidão intensa e difícil, apesar de estar
cercada de pessoas.
Não há, ao assistir “Aquarius”, como não sentir
nada, é impossível, vendo as situações familiares ali descritas, vendo como
Clara leva a vida, e a briga dela com a construtora, como não se comover, como
não criar empatia pela historia e pela personagem. Kleber Mendonça Filho em um
pouco mais de duas horas de duração, conseguiu fazer um filme, que comove,
educa e nos faz refletir sobre a vida que levamos. Basicamente, a educação e a
reflexão que são a síntese do cinema, são brilhantemente representadas por um incrível
diretor e uma maravilhosa obra – prima.
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