Imagem: HBO / Divulgação |
Ao ser escrito por Ray
Bradbury, “Fahrenheit 451” fazia uma previsão triste de um futuro onde a
educação seria desvalorizada, a memória seria jogada no lixo e as pessoas
seriam felizes na mesma proporção que o conhecimento seria pouco. Logo,
basicamente o livro reflete uma vontade do sistema, em querer que a sociedade
seja alienada e não saiba de nada.
Quando François Truffaut lança a adaptação deste livro para
o cinema, no ano de 1966, o filme é lançado em uma época de Guerra Fria, e é muito impactante ver como a projeção encaixou com o contexto da sociedade
naquela época, onde o “sonho americano” voltava a crescer e ter força e os
livros eram propagados por uma geração jovem, revolucionária, inspirada ou que
fazia parte da “geração beat”.
Sendo assim, para a adaptação dirigida por Ramin Bahrani
funcionar, a obra tinha que ser adaptada para o contexto social atual,
portanto, uma sociedade cada vez mais rápida, com alto uso da tecnologia e das
redes sociais digitais e que substitui um livro por uma curtida. Esse é o
“Fahrenheit 451” que vemos aqui, no remake de 2018.
Dessa vez, o bombeiro é interpretado por Michael B.Jordan,
Montag é o mesmo dos livros, um homem que queima livros porque é aquilo que foi
colocado na cabeça dele que é o certo. Ao ser aguçado por uma mulher a ler os
livros, ele fica curioso e de fato o faz, descobrindo um novo mundo através da
literatura e botando em xeque suas certezas, aumentando suas dúvidas e tentando
apaziguar seu mundo.
A obra funciona por se inserir na digitalização atual, mas ao invés da televisão ser a ferramenta principal de alienação, junto com o
rádio, aqui, a internet e as redes sociais digitais cumprem o papel de inserir
nas pessoas o pensamento de que educação é ruim e os livros devem ser
queimados. O design de produção e os responsáveis pelos efeitos visuais e
especiais conseguem compor um ambiente interessante, mostrando constantemente
como Montag (e todas as pessoas ali) vivem sendo vigiadas pela internet na qual
estão conectadas, através das “reações” subirem na tela de vez em quando e
pelas câmeras serem mostradas constantemente nas cenas.
Porém, tanto essas reações, quanto o mundo criado ali, são
escuros, e a cor também faz parte da alienação imposta pelo sistema da obra,
não é a toa que todos usam preto ou tons escuros, é porque a cor pode causar
efeitos no ser humano, esses o podem levar a pensar, logo, podem levar as
pessoas a questionar o porque do mundo ser daquele jeito.
E é aí que está, o questionamento das pessoas não é
influenciado naquela sociedade, e é por isso que a adaptação em questão
consegue funcionar, pois mesmo se ambientando na sociedade atual, mesmo que o
queimado não sejam apenas os livros físicos, mas sejam na maioria dos casos as
versões digitais das obras literárias, a metáfora criada para dizer que as
pessoas precisam questionar tudo o que acontece está ali, assim como a vontade
do sistema de fazerem as pessoas não se perguntarem os motivos de certas coisas
acontecerem.
O roteiro consegue passar isso muito bem, pois ele fecha os
arcos que cria e se aprofunda nos questionamentos do personagem principal,
expondo as dúvidas de Montag desde a cena da casa da senhora, cena essencial para o funcionamento da trama, pois é através dela que o protagonista, no livro,
percebe que algo errado está acontecendo. Mas mesmo com esses pontos
positivos, a montagem do filme não ajuda no ritmo e no mantenimento da
harmonia.
Um exemplo claro é o envolvimento de Montag com Clarisse,
que nunca fica explicado, as vezes parece ser uma amizade, as vezes parece ser
um namoro, as vezes parece não ser nada. Isso se deve ao uso equivocado da
montagem alternada (quando dois acontecimentos são mostrados simultaneamente,
mas não ocorreram ao mesmo tempo no filme), logo quando ele tem a primeira
conversa particular com Clarisse (no apartamento), fica claro que ele vai
embora de lá, o filme continua e percebemos que a visita durou mais que o
mostrado – e o motivo da visita não ter sido mostrada toda de uma vez não fica
aparente – e mais, que ele voltou lá várias vezes. Assim, esse arco entre o
casal, não é desenvolvido o suficiente, e poderia ter sido, uns 20 minutos a
mais de filme e isso seria resolvido.
Outro erro são os diálogos, que são pobres e em alguns
momentos chegam a ser até bobos. Levando em consideração a obra ser justamente
a luta contra a pobreza educacional, as conversas entre os personagens nunca
serem exploradas da maneira devida é um erro considerável, mas por outro lado,
isso é uma faca de dois gumes, já que a falta de eloquência pode ser uma
crítica as redes sociais digitais como fonte de informação e a falta de leitura
das pessoas.
Assim, “Fahrenheit 451” é uma boa adaptação,
contextualizando uma obra literária importante dentro do contexto social
vigente, porém não chega perto da qualidade fílmica da projeção de 1966, mas é
um filme que deve ser assistido, pois reflete um sistema no qual as pessoas
vivem e as vezes nem se dão conta que fazem parte dele.
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