5/20/2018 08:30:00 PM

Crítica: You Were Never Really Here

You Were Never Really Here
Imagem: Divulgação

Sem dúvida, o papel de um filme é questionar aspectos da sociedade e fatores influenciadores de certas ações das pessoas, estes podem ser mais recentes ou podem ter sido carregados durante toda a vida, tendo um papel preponderante nas decisões tomadas em relação aos outros e a si mesmo.

Partindo disso, Lynne Ramsay, diretora desse “You Were Never Really Here” usa uma questão sempre presente na sociedade, o livre arbítrio e o seu limite, para compor um personagem e suas atitudes, além de realizar um questionamento sobre um assunto sério e atual, que passa pela noção do livre arbítrio.

Joaquim Phoenix é Joe, um homem adulto, que mora com a mãe doente, a qual ele ama e ajuda, apesar de não viver sozinho, ele é um homem solitário e aparentemente apreciador dessa solidão. Ele lida com a depressão, essa foi causada por ter tido um pai abusivo e violento com a mãe, esses dois pontos influenciam Joe em seu trabalho, já que ele é um assassino de aluguel, especificamente de homens que cometem crimes contra mulheres.

O filme se desenvolve a partir disso, dessa análise do livre arbítrio e do trabalho de Joe, que é uma luta contra crimes sérios, porém esta luta é realizada com as ferramentas erradas, e ele sabe disso, possivelmente é este conhecimento, aliado a depressão e aos hábitos do pai, que o fazem sentir uma culpa frequente, mesmo que ele sinta um certo prazer ao fazer o que faz, pois é como se uma vingança estivesse sendo feita.

Assim, é notável como Phoenix constrói o personagem, de forma complexa e até mesmo paradoxal, ele é capaz de ter um ódio incontrolável e também de amar da mesma forma, como é possível notar em sua relação com a mãe. Fisicamente, o ator fez a escolha (imagino eu) de andar com ombros encurvados, contrariando uma das frases mais repetidas pelo pai que é “Fique reto, fique reto, só os merdas andam encurvados”, pois para ele, essa seria uma forma de contrariar a figura paterna e uma forma de ser diferente, mesmo que em parte essa forma de andar se deva a um ombro deslocado.

Essa culpa frequente se deve a Joe ter certeza que, por fazer o que faz, ele é igual ao pai, abusivo, agressivo e grosseiro, assim se justifica a escolha de Ramsay a usar a montagem para expor acontecimentos passados de Joe e como os fatos atuais servem de gatilho para o personagem tomar certas atitudes, como a profissão que segue e outras também, por exemplo a de se auto asfixiar e a de colocar uma toalha no rosto e ficar olhando para cima, além de usar um martelo como arma para o “serviço”.

Martelo que pode servir como metáfora para outras coisas, como o fato de ele querer mudar de vida e sair desse ciclo vicioso, isso justifica a troca de martelo a cada novo trabalho e também por ele desejar martelar a si mesmo, não necessariamente usando a ferramenta, mas usando o revolver (a última e notável cena deixa isso claro) ou o canivete, para se autoflagelar, mesmo desistindo de ultima hora.

Essa violência, não necessariamente física, ganha contornos pesados e incômodos graças a trilha sonora, do ótimo Jonny Greenwood, pois com o som, sempre baixo e controlado, é criada uma atmosfera de tensão e medo efetivas, de forma que o público tem medo de Joe assim como Joe tem medo dele mesmo.

Isso causa uma espécie de claustrofobia, com o objetivo de levar o espectador a se sentir incomodado e para contribuir com a trilha sonora, já citada acima, na criação de um ambiente pesado, carregado e desconfortável, ou seja, tudo que Joe sente toda hora em sua vida devido a uma infância caótica. Além disso, a montagem também cria as sequencias de ação de forma a vermos parcialmente, isso faz com que o filme considere as atitudes de seu protagonista como erradas, além de criar cenas mais violentas usando o implícito do que aquelas que usam o explicito, o último ato mostra isso de maneira elegante.

Voltando ao medo, o que ele sente dele mesmo é percebido pelo espectador com a câmera sempre próxima do personagem e frequentemente o enquadramento de maneira a fecha-lo, cerca-lo, sempre em ambientes estreitos como escadas, entre paredes ou em cômodos pequenos e até mesmo em cômodos grandes, mas com a câmera o enquadrando em planos americanos (do joelho para cima) ou médios (da cintura para cima) leva a impressão que o local é pequeno.

Porém, como diria o escritor José Saramago, “O caos é uma ordem a ser decifrada” e Lynne Ramsay faz o espectador decifrar essa ordem tão bem, com uma direção tão segura, firme e atraente, que “You Were Never Really Here’ é mais um de seus ótimos trabalhos e conta com mais uma atuação ótima de Joaquim Phoenix.

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