3/04/2019 12:00:00 AM

Crítica: Vida Selvagem

Vida Selvagem
Imagem: DIVULGAÇÃO
“Divisão”, no cinema, é um conceito relativo e vasto. É pensar em algo que potencialize sentimentos, sejam eles bons, já que dividir algo pode ser benéfico, ou como na maioria das vezes, pode ser frustrante e exigir que as pessoas se adaptem, para conseguirem sobreviver a situação.

Vida Selvagem”, é um filme que pode ser resumido nessa palavra, a divisão, no caso, ocorre na vida de Joe (Ed Oxenbould), um jovem de 14 anos, que acabou de se mudar com seus pais, Jerry (Jake Gyllenhaal) e Jeanette (Carey Mulligan), para Montana. Apenas a mudança é, por si só, um acontecimento que exige adaptação, mas, junto a isso, Jerry vai trabalhar como bombeiro florestal e voltará para casa só no inverno, assim, o casamento dele com Jeanette, já abalado, entra de vez em ruínas.

É assim que Paul Dano, em sua estreia como diretor, apresenta a história para o público e passa a desenvolver o roteiro (escrito com sua parceira de tela em Ruby Sparks, Zoe Kazan), que conta com diversas questões, tanto de crescimento, vida adulta e empatia, quanto a temática do caos familiar que se instaura rapidamente na vida de Joe.

Ele faz isso através da câmera, que busca usar os enquadramentos para apresentar a frustração com a divisão da vida de Joe entre pai e mãe cada vez mais frequente, da montagem, que usa os cortes para estabelecer o ponto de vista e do roteiro, que cria esse ponto de vista, sendo unicamente o do menino.

O que explica a velocidade da mudança do comportamento de Carey Mulligan e a mudança de ritmo, já que, para Joe, tudo muda muito rápido, Dano decide, de forma acertada, fazer o filme mudar também. É aqui que vemos como “Vida Selvagem” é inteligente e sensível, pois, além de expor uma briga familiar, que já sabemos que terminará na separação do casal, mostra tudo aquilo usando como protagonista o mais afetado pelo futuro divórcio.

Vida Selvagem
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Ao mesmo tempo que estabelece outras questões, principalmente o amor, a complexidade envolvida nesse sentimento, a autodescoberta e até, mesmo que de maneira breve, a questão LGBTQ+, em diálogos muito sensíveis, como aquele do começo do filme onde Jerry vê Joe preocupado com a demissão do pai, até que ele vai em direção ao filho e diz “não se preocupe, Joe, vai ficar tudo bem”, ou aquele que, quando Jerry vai embora devido ao emprego, ele diz “você pode dar um beijo no seu pai? Homens também amam homens? Você entendeu?”.

Esse tipo de conversa, que ocorreu também entre Joe e a mãe, é o que fortalece a relação entre a família, mesmo que os cortes que Dano usa a dividam o tempo todo. Sempre há um ponto no quadro onde ocorre uma separação física entre Jerry e Jeanette, seja ele um objeto, seja a distância entre os dois ou e principalmente, a proximidade entre o casal, que fisicamente estão perto, mas, psicologicamente, estão distantes, por isso que os cortes secos, alternando durante a discussão, entre mostrar o rosto de um e o de outro, é tão significativo.

Usando essa mesma ferramenta, o que dizer da discussão derradeira? Quando o ponto de divisão é Joe, que se encontra no meio dos pais enquanto eles discutem, sendo que nesse caso, o filho não é apenas a pessoa que os divide fisicamente e os une pelo resto da vida, ele é o principal catalisador do debate, por isso é no mínimo genial que apenas escutemos a voz do casal discutindo, mas vejamos o rosto de Joe acompanhando a discussão.

É válido destacar como o filme nunca deixa claro o que aconteceu entre o casal, para a relação dos dois estar tão abalada a ponto do comportamento de Mulligan mudar bruscamente usando como impulso a distância entre ela e o marido devido ao trabalho dele. Logo, nunca saberemos o motivo da desconfiança que nasceu entre Jerry e Jeanette e assim, não poderemos compreender totalmente as atitudes que a mulher toma – algumas deploráveis e que afetam o filho diretamente – já que não conhecemos a situação toda.

Porém, se esse comportamento serve para Dano mostrar algo, é expor a independência feminina e como as mulheres podem ser quem quiserem e quando quiserem ser. Não é a toa que Jeanette muda de atitude em relação ao trabalho e as roupas que veste e não é a toa que ela passa a se importar mais com ela mesma e cuidar mais de si própria.

Logo, sabendo disso, o que dizer da atuação de Carey Mulligan, que constrói uma personagem forte e independente, que muda o tom de voz e passa sentimentos de maneira cortante, amando o filho na mesma medida em que o deixa um pouco de lado, buscando outra pessoa ao mesmo tempo em que tem dúvidas sobre se isso é mesmo o correto. Essas contradições deixam a personagem cada vez mais complexa na medida em que a projeção avança.

Gyllenhaal e Oxenbould também estão bem em seus papeis, o primeiro, um ator competente independentemente da situação, constrói um personagem sensível e que ama mais do que tudo o seu filho, o segundo recebe o amor e o usa na sua vida pessoal, tentando crescer e se descobrir como um bom homem, justamente aquilo que ele acredita que o pai seja.

Sabendo disso, o fato de Dano decidir terminar o filme com a foto dos três membros da família é algo que aperta e aquece o coração ao mesmo tempo, já que vimos que o menino cresceu e se desenvolveu dentro do seu primeiro emprego, mas, sabemos que esse crescimento veio com um alto custo, não que ele seja culpado pelo o que aconteceu, mas ele sente tanta saudade que ele pode se sentir culpado pela inevitável separação dos pais.

Na foto, a divisão está presente assim como no filme todo, Joe no meio, os pais ao seu lado e ainda assim, o amor que eles sentem pelo menino é tão grande, que até há o esboço de um sorriso quando o botão que ativa a câmera é pressionado.

É, a vida é mesmo selvagem.

Veja o trailer do filme, presente nas plataformas digitais: Now, SKYPlay, iTunes, GooglePlay, Looke, Oi, Playstation Store e Filmes & TV.

Distribuído pela Sony Pictures Home Entertainment.

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