3/07/2019 12:00:00 AM

Crítica: Raiva

Raiva
Imagem: PANDORA FILMES / Divulgação
É inevitável assistir “Raiva”, dirigido e escrito por Sérgio Trefaut e não lembrar do neorrealismo, que teve em Portugal um dos seus berços, graças a Manuel de Oliveira e de “Vidas Secas”, adaptação do livro de Graciliano Ramos, dirigida por Nelson Pereira dos Santos e lançada em 1963.

Porque é inevitável fazer essas associações? No caso do neorrealismo é devido a crueza do filme e o estilo dos movimentos de câmera, muitas vezes na mão e já em relação a “Vidas Secas” são as famílias, a do filme brasileiro comandada por Fabiano e a da obra portuguesa capitaneada por Palma, são parecidas, com as pessoas tendo sonhos muito simples.

A história é a de Palma (Hugo Bentes), após pedir aumento para o patrão Elias Sobral (Diogo Dória) e discutir com ele quando houve a recusa, o pai de Palma e o próprio, são demitidos. Sem dinheiro para pagar as dívidas, o pai se mata e Palma não consegue arrumar emprego, assim se junta ao contrabando realizado na pequena vila onde mora, antes de embarcar em uma jornada de vingança.

Trefaut usa a excelente fotografia para criar uma obra fria, adaptada de “Seara de Vento”, de Manuel da Fonseca. Porém, a duração do filme não ajuda na construção da tensão, assim como sua estrutura.
Já que o filme já começa pelo final, ou seja, pela concretização ou não da vingança. Por adotar essa estrutura de flash forward (o oposto do flash back, o filme avança) logo no início e portanto, toda a projeção é um flashback. O público já sabe o que vai acontecer, logo, nem se apega aos personagens.

Por causa disso, “Raiva” se torna longo demais, suas 1h40, são cansativas, não pela frieza dos personagens, mas por não gerar curiosidade sobre o que acontecerá. Sabemos que a família de Palma será prejudicada pelo ex patrão, que Elias Sobral manda na cidade, inclusive na polícia e que para conseguir viver, as pessoas precisam se curvar a vontade desse homem.

Se há algo de inédito na trama, é como Palma e Elias se parecem, ambos são duros, são os comandantes de suas famílias, ambos são errados com as mulheres tratando-as como objeto. A diferença é que um é pobre e outro rico, logo, aqui há até um certo elemento da literatura machadiana, já que mesmo sofrendo na mão de um rico, o pobre não aprende com isso e apenas reproduz o erro. Ou seja, Palma mora dentro de sua própria hipocrisia, assim como o filho de Elias Sobral, que financia o contrabando.

Outro ponto inédito e que vale o destaque é a fotografia. Sem dúvida, esse filme foi filmado em preto e branco, ou melhor, em preto e cinza, já que o branco quase não aparece no aspecto visual. Essa opção estética, além de elegante e de ser um deleite, é uma forma de mostrar a frieza das pessoas que vivem naquela vila, principalmente nas cenas a noite, quando, na maioria delas, apenas vemos a silhueta dos personagens, como só o identificamos, nesses momentos, pela voz, as pessoas podem ser quem elas quiserem naquele escuro e isso diz muito sobre a sociedade, somos apenas silhuetas, carcaças, podemos ser qualquer um, para o bem ou para o mal e em geral para esse último.

Assim, “Raiva” talvez funcionasse melhor como um curta, porém, é lindo ver como o preto e cinza da fotografia e o neorrealismo funcionam de forma a fazer um retrato, ainda atual, do bem, do mal e das complexidades destes dentro da sociedade na qual estamos inseridos.

Veja o trailer aqui, o filme é distribuído pela Pandora Filmes:

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