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A velocidade é característica, traço da rotina e Wong
Kar-Wai, em "Amores Expressos" mostra justamente isso, como a
velocidade e os constantes prazos de validade com que vivemos nos engolem em
tudo, tudo mesmo e pensar que isso não mudou em relação a um filme lançado nos
anos 90, é assustador.
Assustador porque as pessoas precisam de tempo. A frase pode
parecer clichê e talvez seja, mas é verdade. Precisamos de tempo para nos
adequar, para criar rotinas, para desenvolver algo que nem sabemos o que é e
para apenas, pura e simplesmente, seguirmos em frente.
Seguir em frente não é fácil e como dito, somos engolidos o
tempo todo por aquilo que mais precisamos. É inevitável, cruzamos com pessoas
todos os dias e como Kar-Wai bem diz, algumas delas nem as conheceremos, outras
podem virar nossas amigas. E assim vai, dentro do nosso tempo, do nosso caminho
a percorrer, estamos dentro dessa velocidade, onde a usamos como característica
e não como ferramenta.
Prestando atenção no filme, é notável como, apesar de
triste, justamente por expor essa velocidade que existe nas rotinas de cada um
e expor isso em uma cidade grande, a obra é divertida. Damos risada em
determinadas cenas pois tudo aquilo é tão real, mesmo o que é irreal, que
ficamos entretidos por empatia com aqueles personagens, por mais que a
intenção, acredito, seja outra.
Aquilo é real porque aquelas pessoas são nós, que trabalhamos todos os dias, que queremos algo mais que nem sabemos o que é e que dentro das rotinas e das velocidades (cada vez maiores) das nossas vidas, queremos algo que nos alivie, qualquer coisa. Pode ser uma corrida para suar e não chorar antes de dormir, pode ser uma lata de abacaxi próxima da data de validade ou pode ser uma música que fale sobre sonhos.
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Sonhos esses que tem data de validade, isso é, quando eles
existem e se eles chegarem a existir em algum momento. Data de validade que
está presente até mesmo na velocidade das nossas vidas, vidas, que assim como
as rotinas e o tempo, acabam mais cedo ou tarde.
Não à toa, o filme vai se tornando cada vez mais complicado,
pois aquelas pessoas ali, sejam os policiais, a mulher de peruca loira ou a
personagem de Faye Wong, tem desejos, vontades, sonhos, completamente
diferentes, mas que se cruzam em algum momento por algum acaso, que pode ser ou
não, aproveitado pelas pessoas envolvidas nessas situações.
Esses acasos são tão reais, que, repetindo frase, se tornam
irreais. Qual a possibilidade, de um ponto de vista racional, de um policial se
apaixonar por uma criminosa que acabou de conhecer, mas que não sabe que é
criminosa? Qual a possibilidade de um homem, que namorou uma aeromoça, se
apaixonar por uma pessoa, que retribui, que tem o sonho de virar uma aeromoça?
A resposta está na primeira pergunta, “ponto de vista
racional”, a racionalidade não cabe em acasos, pois, caso coubessem, seriam
situações previsíveis e dentro da velocidade das vidas, situações previsíveis
são cada vez mais incomuns, o acaso nos domina, a coincidência, por mais que
muitas pessoas não acreditem nela, é o que comanda.
Talvez seja por isso que “Amores Expressos” funciona tão
bem, pois vemos uma sequência de acasos, que envolvem quatro pessoas
completamente diversas. Curioso pensar que vemos essas quatro pessoas (ou até
outras pessoas que participam da vida delas) durante o filme todo, mas de forma
meio “escondida” por Kar-Wai.
Digo escondida porque elas aparecem juntas em um momento, passando pelo personagem que é o foco naquela cena. Faye Wong cruzando o caminho da mulher de peruca loira, quando esta está na loja, o fornecedor estrangeiro de drogas dessa mulher, passando por Tony Leung (o segundo policial) quando ele está parado.
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As pessoas se cruzam o tempo todo, através de acasos, não
apenas por elas viverem no mesmo bairro, como é o caso ali, mas porque é isso
que acontece, todos os dias, com todos nós, a todo momento, mas devido a
velocidade na qual vivemos imersos, não damos atenção a isso, pois precisamos
pensar no que temos que fazer naquele momento ali, a coincidência natural passa
batida, porque a rotina nos engole, o prazo de validade nos engole, o tempo nos
engole.
Infelizmente, é isso. E vai ser sempre assim, tudo será
expresso, tudo, até o que nós pensamos não ser, será expresso, acabará em 2min
como “California Dreamin”, não fará diferença no dia seguinte e você vai perder
a batalha. Os sonhos, como diz Clint Eastwood em “As pontes de Madison”, não se
realizaram, mas foi bom tê-los.
Isso é, caso você tenha tido, claro. Os personagens do filme
tiveram, mesmo que não estivessem conscientes disso. A mulher de capa de chuva
queria ser rica, o primeiro policial, Zhiwu, queria ser feliz (de forma
inconsciente), Tony Leung, o segundo policial e Faye Wong, queriam a California,
queriam um destino juntos, por isso que não importa o destino daquele cartão de
embarque borrado e refeito pela personagem, ele só quer ir aonde a personagem
dela esteja.
Dentro das nossas vidas, dentro da vida dos personagens do
filme, tudo é, como já dito, expresso, rápido. Não vou dizer que não gosto
disso, pois eu, pessoalmente, pouco me importo, quero que passe rápido mesmo,
mas ainda assim cansa viver dentro da velocidade, desse prazo de validade que
não sabemos quando acaba e dentro de uma real e continua coincidência,
disfarçada por nós mesmos de racionalidade.
Está claro que “Amores Expressos” é o filme de Wong Kar-Wai
que mais expõe essa velocidade, assim como está claro que tudo é expresso, mas,
principalmente, que somos os abacaxis que Zhiwu come em certa cena, próximos de
ter o prazo de validade expirado.
Que escutemos California Dreamin tal qual Faye Wong e que dentro da velocidade e da coincidência, preenchamos o destino do nosso cartão de embarque, mesmo que seja triste (e para muitos será, eu incluso), da forma que desejarmos.
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