2/05/2021 07:09:00 PM

Velocidade, acaso e amor, Amores Expressos (1994)

Amores Expressos
Imagem: DIVULGAÇÃO
Eu não sei como é viver em cidades de médio ou pequeno porte, sempre vivi em uma cidade grande, uma capital de grande porte. Em capitais, a vida, a rotina, passa muito rápido, tudo, trabalho, lazer, amizades e claro, amor.

A velocidade é característica, traço da rotina e Wong Kar-Wai, em "Amores Expressos" mostra justamente isso, como a velocidade e os constantes prazos de validade com que vivemos nos engolem em tudo, tudo mesmo e pensar que isso não mudou em relação a um filme lançado nos anos 90, é assustador.

Assustador porque as pessoas precisam de tempo. A frase pode parecer clichê e talvez seja, mas é verdade. Precisamos de tempo para nos adequar, para criar rotinas, para desenvolver algo que nem sabemos o que é e para apenas, pura e simplesmente, seguirmos em frente.

Seguir em frente não é fácil e como dito, somos engolidos o tempo todo por aquilo que mais precisamos. É inevitável, cruzamos com pessoas todos os dias e como Kar-Wai bem diz, algumas delas nem as conheceremos, outras podem virar nossas amigas. E assim vai, dentro do nosso tempo, do nosso caminho a percorrer, estamos dentro dessa velocidade, onde a usamos como característica e não como ferramenta.

Prestando atenção no filme, é notável como, apesar de triste, justamente por expor essa velocidade que existe nas rotinas de cada um e expor isso em uma cidade grande, a obra é divertida. Damos risada em determinadas cenas pois tudo aquilo é tão real, mesmo o que é irreal, que ficamos entretidos por empatia com aqueles personagens, por mais que a intenção, acredito, seja outra.

Aquilo é real porque aquelas pessoas são nós, que trabalhamos todos os dias, que queremos algo mais que nem sabemos o que é e que dentro das rotinas e das velocidades (cada vez maiores) das nossas vidas, queremos algo que nos alivie, qualquer coisa. Pode ser uma corrida para suar e não chorar antes de dormir, pode ser uma lata de abacaxi próxima da data de validade ou pode ser uma música que fale sobre sonhos.

Amores Expressos
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Sonhos esses que tem data de validade, isso é, quando eles existem e se eles chegarem a existir em algum momento. Data de validade que está presente até mesmo na velocidade das nossas vidas, vidas, que assim como as rotinas e o tempo, acabam mais cedo ou tarde.

Não à toa, o filme vai se tornando cada vez mais complicado, pois aquelas pessoas ali, sejam os policiais, a mulher de peruca loira ou a personagem de Faye Wong, tem desejos, vontades, sonhos, completamente diferentes, mas que se cruzam em algum momento por algum acaso, que pode ser ou não, aproveitado pelas pessoas envolvidas nessas situações.

Esses acasos são tão reais, que, repetindo frase, se tornam irreais. Qual a possibilidade, de um ponto de vista racional, de um policial se apaixonar por uma criminosa que acabou de conhecer, mas que não sabe que é criminosa? Qual a possibilidade de um homem, que namorou uma aeromoça, se apaixonar por uma pessoa, que retribui, que tem o sonho de virar uma aeromoça?

A resposta está na primeira pergunta, “ponto de vista racional”, a racionalidade não cabe em acasos, pois, caso coubessem, seriam situações previsíveis e dentro da velocidade das vidas, situações previsíveis são cada vez mais incomuns, o acaso nos domina, a coincidência, por mais que muitas pessoas não acreditem nela, é o que comanda.

Talvez seja por isso que “Amores Expressos” funciona tão bem, pois vemos uma sequência de acasos, que envolvem quatro pessoas completamente diversas. Curioso pensar que vemos essas quatro pessoas (ou até outras pessoas que participam da vida delas) durante o filme todo, mas de forma meio “escondida” por Kar-Wai.

Digo escondida porque elas aparecem juntas em um momento, passando pelo personagem que é o foco naquela cena. Faye Wong cruzando o caminho da mulher de peruca loira, quando esta está na loja, o fornecedor estrangeiro de drogas dessa mulher, passando por Tony Leung (o segundo policial) quando ele está parado.

Amores Expressos
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As pessoas se cruzam o tempo todo, através de acasos, não apenas por elas viverem no mesmo bairro, como é o caso ali, mas porque é isso que acontece, todos os dias, com todos nós, a todo momento, mas devido a velocidade na qual vivemos imersos, não damos atenção a isso, pois precisamos pensar no que temos que fazer naquele momento ali, a coincidência natural passa batida, porque a rotina nos engole, o prazo de validade nos engole, o tempo nos engole.

Infelizmente, é isso. E vai ser sempre assim, tudo será expresso, tudo, até o que nós pensamos não ser, será expresso, acabará em 2min como “California Dreamin”, não fará diferença no dia seguinte e você vai perder a batalha. Os sonhos, como diz Clint Eastwood em “As pontes de Madison”, não se realizaram, mas foi bom tê-los.

Isso é, caso você tenha tido, claro. Os personagens do filme tiveram, mesmo que não estivessem conscientes disso. A mulher de capa de chuva queria ser rica, o primeiro policial, Zhiwu, queria ser feliz (de forma inconsciente), Tony Leung, o segundo policial e Faye Wong, queriam a California, queriam um destino juntos, por isso que não importa o destino daquele cartão de embarque borrado e refeito pela personagem, ele só quer ir aonde a personagem dela esteja.

Dentro das nossas vidas, dentro da vida dos personagens do filme, tudo é, como já dito, expresso, rápido. Não vou dizer que não gosto disso, pois eu, pessoalmente, pouco me importo, quero que passe rápido mesmo, mas ainda assim cansa viver dentro da velocidade, desse prazo de validade que não sabemos quando acaba e dentro de uma real e continua coincidência, disfarçada por nós mesmos de racionalidade.

Está claro que “Amores Expressos” é o filme de Wong Kar-Wai que mais expõe essa velocidade, assim como está claro que tudo é expresso, mas, principalmente, que somos os abacaxis que Zhiwu come em certa cena, próximos de ter o prazo de validade expirado.

Que escutemos California Dreamin tal qual Faye Wong e que dentro da velocidade e da coincidência, preenchamos o destino do nosso cartão de embarque, mesmo que seja triste (e para muitos será, eu incluso), da forma que desejarmos.

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