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Texto que faz parte da cobertura da edição 2021 do Festival Fantasia
Talvez a estrutura escolhida pelo diretor Pascal Alex-Vincent
para abordar a vida de Satoshi Kon nesse documentário não tenha sido a melhor.
Não digo isso em um sentido ruim, por mais irônico que possa parecer, digo por
que a estrutura é a de um documentário convencional e Kon, diretor e animador, podia
ser tudo, menos convencional.
Claro, não estou aqui para dizer como um diretor de cinema
poderia melhorar o seu filme, seria de um pedantismo absurdo. A partir disso, o
documentário “Satoshi Kon – The Illusionist” pode até ser isso que foi citado em
relação a linguagem, mas não é nada disso em relação a ideia e aos depoimentos
dos entrevistados.
Pois se esse documentário funciona, é devido a qualidade das falas das fontes entrevistadas pelo diretor e como essas oferecem novas camadas de profundidade aos filmes de Satoshi Kon. Vemos como ele afetou vidas de maneiras diferentes, mesmo sendo uma pessoa muitas vezes grosseira, que buscava a perfeição (como é dito em uma das falas), ao mesmo tempo em que não romantiza isso.
Romantizar a perfeição seria algo ruim porque essa não
existe e os próprios filmes de Satoshi Kon (principalmente “Perfect Blue”)
falam sobre isso. Logo, abordar esse traço de personalidade do diretor dessa
maneira torna o resultado do documentário como um todo interessante, ao
misturar vários pontos de vista sobre esse ponto através das ideias de várias
pessoas.
Talvez, a principal força do filme dirigido por Alex-Vincent
esteja nos seus vinte minutos finais, onde vemos, provavelmente, a presença de
Satoshi Kon naquelas pessoas ali. Todas com depoimentos diferentes e personalidades
diferentes, mas unidas através da carta de despedida postada no blog do diretor
após seu falecimento em 2010.
Essa união tem um desejo em comum, saber o que iria ser o próximo
filme do diretor, “Dreaming Machine”, que já estava nos rascunhos e em pré-produção
quando Kon faleceu e de acordo com alguns entrevistados, houve alguns problemas
em relação a equipe e ao tratamento dessa por Kon. Porém, mesmo com isso, todos
ali estavam unidos para a preparação daquele filme, daquele sonho em comum.
Não há como saber a ideia que Kon gostaria de passar com “Dreaming
Machine”, mas poderia ser algo, deduzindo apenas pelo título, relacionado a sonhos e expectativas.
Nenhuma arte é mais significativa na transmissão e compreensão de sonhos por
parte do público do que o cinema. O poder da imagem (e no caso de Kon, da
animação) é uma ferramenta construtora de sonhos e fantasia.
Nenhum diretor é melhor que Kon nisso, é só assistir filmes
dele, ou ao menos “Paprika” (seu último trabalho, lançado em 2006), para percebermos
como na opinião do diretor, os sonhos não eram apenas uma ferramenta fílmica (assim
como a animação), mas é uma forma de expressão gerada por nós mesmos a partir de
nossas experiências. Ele tentava passar isso para as pessoas na tela do cinema
e nesse aspecto, claramente ele foi muito bem-sucedido, inspirando gente ao redor
do mundo.
Todo realizador, profissional de arte, de certa maneira é um
ilusionista, um mágico e o filme de Pascal Alex-Vincent se aprofunda em um
deles, um dos mais conhecidos, mas que ainda poderia ser mais conhecido,
principalmente quando falamos de experimentações na linguagem cinematográfica.
Em tempos de automatismo de estúdios e algoritmos, um diretor como Satoshi Kon
é no mínimo singular e isso já é algo acima da média.
Texto que faz parte da cobertura da edição 2021 do Festival Fantasia
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