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This critic is part of Nashville Film Festival 2021 coverage
“É sempre um momento duro quando um menino descobre que
seus pais são apenas pessoas” – Frank Herbert, Duna
Em uma das várias entrevistas dadas pela diretora e
roteirista Celine Sciamma sobre “Retrato de uma jovem em Chamas”, ela disse que
um dos principais pontos da relação entre Noemie Merlant e Adele Haenel é a
ideia da criação de uma linguagem própria, que apenas o casal envolvido naquela
relação amorosa entende de fato e quando essa relação acaba, essa linguagem
também acaba.
As vezes, o que a pessoa pensava ser um fim, não era nada
mais, nada menos, do que uma nova descoberta e essa descoberta pode ser
justamente no momento em que você percebe que as pessoas, mesmo aquelas que lhe
são muito próximas desde sempre, são apenas pessoas, com erros e acertos
justamente iguais a você, por isso é um momento difícil quando nós nos
apercebermos disso.
“Petite Maman” é sobre esse momento na vida de uma criança. Após perder a avó, Nelly vai junto com sua mãe a casa desta, para tirarem o que ficou de lá, levando em consideração que ninguém mais vai viver ali. Durante um desses dias, a mãe da jovem vai embora e Nelly, brincando no bosque em frente a casa, faz uma amiga e o filme passa a acompanhar essa amizade.
Amizade que para sorte de Nelly serviu como uma segunda
chance para corrigir erros que a menina, mesmo muito jovem, acreditava ter
cometido com a certeza de um adulto. Essa segunda chance vem aliada a criação
dessa linguagem própria com a sua nova amizade, que ambas têm certeza de ser
apenas temporária, por mais que tenham motivos para acreditar no retorno dessa
relação no futuro.
Futuro incerto como todos são e isso serve para todas as
gerações, principalmente no que diz respeito a relação intergeracional
experimentada pela menina. Se no início do filme vemos ela em um asilo, se
despedindo das mulheres dali, durante o restante da obra, vemos como a relação
dela com os pais, com a amiga e a mãe desta, é algo que a influenciará por toda
a sua vida.
Descobrir que os adultos são apenas pessoas e saber disso como
Nelly soube é no mínimo uma experiência singular que pode ser tanto de
aproximação quanto de afastamento. Se fosse um adulto no lugar da menina, muito
provavelmente seria de afastamento, pois um adulto é levado de maneira quase
natural pela vida a ser cauteloso a ponto de preferir não viver do que tentar
algo novo, pura e simplesmente por pensar numa possível experiência ruim,
principalmente se levarmos em consideração o tanto que o adulto já viveu até
chegar nesse ponto de cautela.
Em compensação, para uma criança tudo é novo, basicamente
todos os momentos da infância são momentos de descoberta e em cada criança há
vontade de saber o que o mundo é e isso é algo natural. Logo, não é surpreendente
Nelly agir até com certa frieza na ocasião inicial de descoberta no filme, para
ela, aquilo não é uma situação para ter medo, é uma situação de pura e simples
exploração do mundo.
O fato dela, de certa forma, cuidar da mãe e do pai durante
a obra – cena inicial onde ela dá salgadinhos para a mãe enquanto ela dirige e
cena mais próxima da metade onde ela fala para o pai que fumar faz mal para ele
– leva Nelly a não ter medo da situação apresentada a ela devido a amizade que
fez, pois, de certa maneira, aquela menina que ela conheceu fez o mesmo e ambos
fatos levam não a um conflito geracional, mas sim a uma comunhão geracional,
onde todos ali aprendem uns com os outros coisas que levarão dentro de si para
sempre.
Não sei até que ponto eu como adulto, perdi esse sentimento
da vontade da descoberta do novo, mas, acredito que eu não seja o único que
tenha perdido isso. Talvez, “Petite Maman” sirva como um ponto de virada na
vida de muitos, talvez, ao ver esse filme, percebamos que somos apenas pessoas,
não deuses ou robôs, que não devemos ser automatizados e que a comunhão
ocorrida no filme, pode ocorrer em nós como sociedade.
Apenas o poder da imagem tem a capacidade de passar uma
mensagem tão forte quanto essa e acho que poucos detém a capacidade de manipular
esse poder de transmissão como Celine Sciamma. As vezes, tudo o que é
precisamos é de 1h12 de um filme assim.
Texto que faz parte da cobertura da edição 2021 do Festival de cinema de Nashville
This critic is part of Nashville Film Festival 2021 coverage
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