Imagem: DIVULGAÇÃO |
Texto que faz parte da cobertura da edição 2022 do Festival de cinema de Rotterdam
This critic is part of IFFR 2022 coverage
Em dado momento de “Medusa”, Mari – protagonista do filme,
interpretada por Mariana Oliveira – grita alto, bem alto, por mais que dizer
isso seja redundante. Esse grito representa uma espécie de liberdade, de se
soltar dos questionamentos e das imposições enfrentadas por ela, cujo limite
chegou a um ponto insuportável.
A Medusa da mitologia grega também chegou a esse limite de
desejo, até Atena, deusa da sabedoria, a transforma na criatura conhecida
pela maioria de nós. A adaptação do mito, dirigido por Anita Rocha da Silveira,
é sobre o descontrole causado pelo desejo de ser o que é, mesmo que isso ainda
esteja para ser descoberto. Mari é uma jovem adulta, extremamente religiosa,
que exprime isso em sua vida na igreja. em casa e durante a noite “convertendo” jovens adultas em
mulheres de fé. Até seu desejo por saber o que aconteceu com uma mulher
desaparecida, a leva em uma jornada de autodescoberta.
Essa jornada é cheia de altos e baixos, construída pela diretora de maneira a ficarmos tão envolvidos com sua protagonista, que também ficamos confusos e com aquele desejo de autodescoberta, independente da idade, aquele ímpeto de conhecer coisas novas, mesmo sem saber exatamente o que se quer.
Ou seja, descontrole. A obra leva o espectador a um nível de
descontrole que em vários momentos, incluído e se adaptando aquele mundo
completamente dominado pelo fundamentalismo religioso, vemos como nós vivemos
em uma sociedade completamente descontrolada, onde os nossos desejos são
completamente colocados de lado em prol de algo maior e não importante para nós.
No caso de Mari, ela carrega em si a vontade de ser livre e
de não viver em um ambiente de amarras, onde ela é demitida devido a um corte
no rosto ou onde ela não é reconhecida por ter salvado uma vida (mesmo que,
convenhamos, essa vida não merecesse ser salva). Ela tem em si o tempo inteiro
a vontade de gritar, de acabar com tudo aquilo com as próprias mãos e a vemos
descobrindo isso a cada momento.
A descoberta é envolvente devido a atuação de Mariana Oliveira,
que traz em sua personagem a complexidade desejada (imagino) pela diretora. A
curiosidade, natural dos jovens, está o tempo inteiro no trabalho da atriz.
Quando ela sente vontade de gritar, o espectador é levado a sentir essa mesma
vontade.
Da mesma maneira que a proximidade do filme com vários
momentos sociais, inclusive o atual, além de ser assustadora, é surreal. O que
me levou a um certo alívio. É bom achar tudo aquilo surreal, é bom
ter medo do terror e do fanatismo presentes na obra, justamente para nós
percebermos que não estamos dormentes, para percebermos que ainda temos em nós a vontade de transformar a cidade em poeira (Cities of dust na abertura do
filme é lindíssimo), de tanto desejo de algo melhor que temos dentro de nós.
Desejo que a Medusa da mitologia grega também carrega, as serpentes
que Mari vê nos muros da cidade e a presença da personagem de Bruna Linzmeyer em
alguns momentos, nos remete a isso e claro, a personagem de Lara Tremouroux nos
lembra o sofrimento causado pelo desejo reprimido através do sexismo.
A obra de Anita Rocha da Silveira é trabalhada nessa ideia
de descoberta, tanto os curtas e o longa “Mate-me por favor”, falam sobre
juventude e sobre desejo. Se Atena transformou Medusa em uma criatura horrenda
no mito, Anita transforma suas personagens em mulheres com o desejo perpetuo de
algo mais e isso por si só, deveria dar vontade ao espectador de ter desejos e
sair gritando-os por aí.
Assim como Mari faz.
Texto que faz parte da cobertura da edição 2022 do Festival de cinema de Rotterdam
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