Imagem: DIVULGAÇÃO / O2 Filmes |
Texto que faz parte da cobertura da edição 2022 do Festival de cinema de Rotterdam
This critic is part of IFFR 2022 coverage
Uma das primeiras cenas de “Paixões Recorrentes”, novo filme
de Ana Carolina, mostra o local onde a história se passará através da caminhada de
um de seus personagens, Raolino. Vemos uma cidade vazia, malcuidada e parece
abandonada, quase uma cidade fantasma caso não houvesse pessoas ali.
Essas pessoas são um argentino fascista, um negro trotskista,
uma francesa comunista, um brasileiro capitalista e outro integralista. As
conversas e debates deles em um pequeno bar na praia, é o que constrói o
filme durante as 1h40 de duração. O choque de ideologias é interessante, mas vazio.
Isso não é um defeito, pelo contrário, por se passar no dia em que a segunda guerra mundial começa, a diretora usa seus personagens e suas ideologias para trabalhar microcenários dentro de um contexto maior de guerra e divisão entre o povo, através das defesas daquilo que os personagens até acreditam, mas não seguem em suas vidas.
Todos ali são as pessoas que sabem muito na teoria e não na
prática, o tipo de revolucionário de sofá, que acha que apenas discutindo com
alguém que pensa o contrário dele vai de fato mudar algo, quando, na verdade, a
mudança já aconteceu. Os pensamentos são bem defendidos por eles, mas nenhum
deles ali tem coragem de fazer algo, o que é ótimo levando em consideração que nem tudo o que é defendido é o certo.
Mas se a pessoa não faz algo e apenas diz acreditar naquele
algo, isso significa que ela não acredita tanto assim. A proximidade que o
filme tem com o teatro é importante para desenvolver esse ponto. As cenas se
passam quase no mesmo lugar, mudando uma vez ou outra para a praia ou para a floresta,
como se fosse uma mudança de cenário, mas mantendo eles sempre presos.
Porque é o que eles estão. Todos estão presos dentro de seus
pensamentos vazios e eles acreditam naquilo até a página 2. Chega a ser
impressionante como Ana Carolina é capaz de mostrar como essas pessoas vazias
parecem acreditar no que falam ao mesmo tempo em que sabem que estão mentindo
para si mesmos e é inevitável não pensar nos extremos, justamente o que nos
trouxe até o ponto social onde estamos localizados atualmente.
As pessoas que são mais vazias no filme, o argentino e os
dois brasileiros capitalistas, ganharam, infelizmente, a coragem com o passar do tempo de
executar as coisas que hoje vemos acontecer e a diretora mostra como é preciso
que os discordantes desses três se unam de alguma forma, nem que seja de
maneira exclusivamente pragmática, para acabar com isso.
Ana Carolina transforma, sem o espectador nem perceber, o
microcenário daquele local destruído, em um cenário atual onde vemos o país sendo destruído sem a oposição fazer quase nada. Me incluo nessa,
não posso ser hipócrita, eu sou justamente aquilo que a diretora crítica em “Paixões
Recorrentes” e vários espectadores também sentirão isso.
Paixões em geral são recorrentes, todo tipo de amor vem e
vai, as vidas começam fadadas ao fim. A briga é para não ser recorrente, para
não ser vazio, para não deixar isso passar. Os personagens do filme deixaram
passar, aquele local destruído era um prenuncio tanto para eles, quanto para
gente e se não fosse Ana Carolina, se fosse outra pessoa dirigindo,
provavelmente a obra seria tão vazia quanto seus personagens. Felizmente foi a
pessoa certa que fez “Paixões Recorrentes”.
Texto que faz parte da cobertura da edição 2022 do Festival de cinema de Rotterdam
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