Imagem: DIVULGAÇÃO |
This critic is part of Glasgow Film Festival 2022 coverage
Comecei a escrever esse texto e parei com exatas 82 palavras
escritas. As vezes é mais difícil escrever e pensar em algo do que se aparenta,
assim como as vezes é mais difícil não apenas pensar em algo, mas também fazer
algo. Não somos de todo livres, claro, é um pensamento recorrente o de que
somos livres, mas não somos.
“Eu pensei que poderia fazer o que quisesse”, diz Yuní, a
personagem título do filme escrito e dirigido por Kamila Andini ao perceber que
o seu sonho de ir para faculdade não será realizado. Ela não vai conseguir a
bolsa de estudos tão desejada e a qual ela cumpre todos os requisitos
relacionados a notas escolares, porque a sociedade a pressiona a se casar e um
dos requisitos não ligados a desempenho acadêmico para a bolsa, é não ser
casada.
Então, ela precisa remar contra a maré, com 17 anos. Nessa
idade, meninas são consideradas mulheres em boa parte dos países e culturas
pelo mundo, a Indonésia, onde o filme se passa, é um desses locais. É fácil,
para nós, vendo de fora, pensar em alternativas de como Yuní pode escapar
daquilo e até para ela, não é exatamente difícil ver como é possível ela não se
casar e ir para a faculdade, a questão é que é mais fácil enxergar isso do que
fazer isso.
Precisa de coragem para mudar ou tentar mudar algo já
costumeiro e confortável seja para si ou para as pessoas que você conhece.
Cria-se uma zona de conforto paradoxalmente desconfortável, onde se está mais
ou menos bem, mas na verdade se quer sair dali de maneira desesperada. Yuní não
tem uma vida ruim, ela tem amigas e sai de vez em quando, a escola para ela é
algo bom e agradável, não tem nenhum tipo de problema familiar em casa, ela
apenas tem um sonho impossível e a zona paradoxal de conforto criada pelo meio
social.
Ela sabe como sair dali e até acho que ela tem a coragem
necessária – não à toa ela encara alguns momentos de frente – porém, nunca é
tão simples e sempre surgem outros obstáculos a se superar. As pessoas cansam,
é natural. É comum tentar várias vezes, não conseguir e ficar ali mesmo, as
vezes a gente percebe isso tarde demais, mas Yuní percebeu cedo.
Kamila Andini trata esses momentos com sutileza. Não através
de cenas chamativas ou exageradas, mas sim através de coisas relacionadas a
rotina da personagem principal, como, por exemplo, poemas que ela precisa
analisar, momentos de paz com as amigas, momentos de autodescoberta, um
encontro inesperado. Essas coisas fazem Yuní perceber as situações que ela
precisa abandonar para realizar seu sonho.
Há situações boas e ruins, o que ela ainda não sabe é se
vale a pena largar as situações boas para uma tentativa de realizar um sonho.
Abandonar as ruins é fácil, mas a parte boa ou as lembranças que as coisas boas
deixam em nós, é o que torna as coisas difíceis dentro de um caminho naturalmente
tortuoso. “Yuní” aborda vários pontos sobre os quais não sou capaz de opinar,
mas é um filme sobre coragem e sobre essas mudanças difíceis, mas muitas vezes
necessárias.
Que bom que passei das 82 palavras escritas.
Texto que faz parte da cobertura da edição 2022 do Festival de cinema de Glasgow
This critic is part of Glasgow Film Festival 2022 coverage
Nenhum comentário:
Postar um comentário