3/05/2022 12:00:00 AM

Glasgow Film Festival: Yuní

Yuní
Imagem: DIVULGAÇÃO

Texto que faz parte da cobertura da edição 2022 do Festival de cinema de Glasgow

This critic is part of Glasgow Film Festival 2022 coverage

Comecei a escrever esse texto e parei com exatas 82 palavras escritas. As vezes é mais difícil escrever e pensar em algo do que se aparenta, assim como as vezes é mais difícil não apenas pensar em algo, mas também fazer algo. Não somos de todo livres, claro, é um pensamento recorrente o de que somos livres, mas não somos.

“Eu pensei que poderia fazer o que quisesse”, diz Yuní, a personagem título do filme escrito e dirigido por Kamila Andini ao perceber que o seu sonho de ir para faculdade não será realizado. Ela não vai conseguir a bolsa de estudos tão desejada e a qual ela cumpre todos os requisitos relacionados a notas escolares, porque a sociedade a pressiona a se casar e um dos requisitos não ligados a desempenho acadêmico para a bolsa, é não ser casada.

Então, ela precisa remar contra a maré, com 17 anos. Nessa idade, meninas são consideradas mulheres em boa parte dos países e culturas pelo mundo, a Indonésia, onde o filme se passa, é um desses locais. É fácil, para nós, vendo de fora, pensar em alternativas de como Yuní pode escapar daquilo e até para ela, não é exatamente difícil ver como é possível ela não se casar e ir para a faculdade, a questão é que é mais fácil enxergar isso do que fazer isso.

Precisa de coragem para mudar ou tentar mudar algo já costumeiro e confortável seja para si ou para as pessoas que você conhece. Cria-se uma zona de conforto paradoxalmente desconfortável, onde se está mais ou menos bem, mas na verdade se quer sair dali de maneira desesperada. Yuní não tem uma vida ruim, ela tem amigas e sai de vez em quando, a escola para ela é algo bom e agradável, não tem nenhum tipo de problema familiar em casa, ela apenas tem um sonho impossível e a zona paradoxal de conforto criada pelo meio social.

Ela sabe como sair dali e até acho que ela tem a coragem necessária – não à toa ela encara alguns momentos de frente – porém, nunca é tão simples e sempre surgem outros obstáculos a se superar. As pessoas cansam, é natural. É comum tentar várias vezes, não conseguir e ficar ali mesmo, as vezes a gente percebe isso tarde demais, mas Yuní percebeu cedo.

Kamila Andini trata esses momentos com sutileza. Não através de cenas chamativas ou exageradas, mas sim através de coisas relacionadas a rotina da personagem principal, como, por exemplo, poemas que ela precisa analisar, momentos de paz com as amigas, momentos de autodescoberta, um encontro inesperado. Essas coisas fazem Yuní perceber as situações que ela precisa abandonar para realizar seu sonho.

Há situações boas e ruins, o que ela ainda não sabe é se vale a pena largar as situações boas para uma tentativa de realizar um sonho. Abandonar as ruins é fácil, mas a parte boa ou as lembranças que as coisas boas deixam em nós, é o que torna as coisas difíceis dentro de um caminho naturalmente tortuoso. “Yuní” aborda vários pontos sobre os quais não sou capaz de opinar, mas é um filme sobre coragem e sobre essas mudanças difíceis, mas muitas vezes necessárias.

Que bom que passei das 82 palavras escritas. 

Texto que faz parte da cobertura da edição 2022 do Festival de cinema de Glasgow

This critic is part of Glasgow Film Festival 2022 coverage

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