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Imagem: DIVULGAÇÃO / Paramount |
Ao ler o livro “Assassinos da lua das flores”, de David Grann, pensei como seria difícil adaptá-lo para o cinema, devido ao peso e as camadas de uma história que teve como principal consequência para os Estados Unidos a criação do FBI. Claro, eu li por conta do livro ser o material base para o filme de Martin Scorsese.
O filme conta a história dos índios osages, um povo que
devido as suas terras serem exploradas em busca de petróleo, se torna alvo de
William Hale (Robert de Niro), que usa e manipula Ernest Burkhart (Leonardo
DiCaprio) para que esse e vários outros homens brancos assassinem indígenas para poderem ficar com o dinheiro que recebem mensalmente das empresas
petrolíferas presentes na cidade.
Por mais que acima eu tenha falado de Burkhart e Hale, Scorsese escolhe contar essa história pelo ponto de vista de Mollie Burkhart (Lily Gladstone), que é o alvo principal de Hale. A família de Mollie é grande (ela é uma de quatro irmãs e a mãe) e por isso elas se tornam alvos, por terem muito dinheiro.
Essa escolha faz que Scorsese não conte uma história apenas
de roubo, racismo e crime, mas também de tristeza, melancolia e de certa forma,
de resposta ao cinema clássico dos Estados Unidos, principalmente filmes dos
anos 10 e 20, além dos westerns que viriam depois.
“Assassinos da lua das flores” talvez seja o filme mais duro
em relação a movimentos de câmera que Scorsese já fez e com certeza é o mais
naturalista e anticlimático. Isso porque nas 3h27 em um filme com muitos
assassinatos, vemos pouquíssimos deles, porque Scorsese e Thelma Schoonmaker
(amiga e montadora dos filmes do diretor), escolhem cortar essas cenas.
Essa escolha é em prol da reação de Mollie e das vítimas que
são obrigadas a conviver com o medo de serem os próximos. Ao escolher não
mostrar a maioria dos assassinatos e quando mostra, escolher fazer esses momentos
serem breves, o filme mostra o seu lado. Scorsese não quer com “Assassinos da
lua das flores” criar uma aura de glorificação a violência (o que aconteceu inconscientemente
com, por exemplo, “Taxi Driver”), mas sim, mostrar uma história que precisa ser
contada por que esse genocídio é um dos vários que deu origem aos Estados
Unidos.
Talvez, por isso, o filme se aprofunde na melancolia. Por
ser anticlimático e quase naturalista – a trilha sonora musical é quase
inexistente, a maioria dos sons são do ambiente, a fotografia é quase com a luz
natural dos lugares – vemos uma obra não fetichista, uma história real onde
vemos a tristeza das pessoas pelo que acontece e vemos as suas tristezas e
frustrações pessoais.
Mollie é uma mulher rica, mas triste. A relação com a sua
família é boa, mas complicada. A única das filhas que cuida da mãe, mesmo sendo
maltratada e preterida em prol da irmã, Anna, que é a filha que menos cuida da
mãe. Solitária, Mollie encontra nas amigas e na rotina, parte da esperança
necessária para conseguir aguentar o dia.
Mas a outra parte da esperança de Mollie é, infelizmente,
Ernest. No marido ela encontra amor, uma possibilidade de vida e longevidade.
Porém, da mesma forma que Scorsese e Schoonmaker cortam a maioria dos
assassinatos, eles escolhem aqui mostrar de maneira diferente as coisas boas da
vida da protagonista.
Eles fazem o uso de imagens em uma proporção igual a de
filmes dos anos 10, 20, do cinema clássico, transformando-as em imagens de
arquivo, em preto e branco. Considero isso uma resposta aos filmes daquela
época, que se passavam nessa proporção e sem cor, porque os avanços ainda não
tinham acontecido.
Porém, esses filmes, dirigidos por diretores ainda lembrados
hoje e alguns ainda adorados atualmente, eram, muitas vezes, racistas. “O
Nascimento de uma nação”, por exemplo, de D.W Griffith, é um filme extremamente
racista e até hoje estudado para o bem e para o mal. Os primeiros filmes de
John Ford, ainda no cinema mudo, também entram nesses problemas.
Neles, a pessoa indígena, a pessoa preta, a mulher, sempre
morriam, sofriam ou eram punidos de alguma forma. Alguns filmes de John Ford,
já na fase do cinema falado, tem muito disso, não todos, mas muitos sim e por
mais que nessa época fosse comum pensar dessa forma terrível, é uma forma errada
de se pensar.
Ao escolher mostrar as coisas boas da vida de Mollie e de
outros habitantes do condado Osage nessa proporção e em preto e branco,
Scorsese e Schoonmaker, talvez de forma inconsciente, mostram que naquela
época, quando os filmes apenas eram feitos assim, era possível mostrar minorias
qualitativas (definidas assim pelo capitalismo) sem mostrar eles sofrendo e
morrendo, ou seja, fazer o mínimo.
Da mesma forma que mostrar certas coisas em “Assassinos da
lua das flores” usando os quadros escritos, como o cinema mudo fazia, também
serve para tal, já que as legendas explicam como os Osages ficaram ricos.
O que nos leva a força da atuação de Lily Gladstone, pois ao
conhecermos Mollie, sabemos que ela está sendo manipulada por Ernest, não
porque ela não é capaz de evitar isso e sim porque todo aquele sistema de
coisas ruins foi arquitetado de maneira a fazer ela e os outros indígenas
sofrerem. Ao contrário do que aconteceu, por exemplo, com Anna Paquin em “O
Irlandês”, que é um filme que amo, mas que o fato da atriz não ter falas, foi
uma decisão estilística, a meu ver, questionável.
Mas em “Assassinos da lua das flores”, o público não esquece
da pessoa que Mollie é, da boa amiga, a boa filha, a boa irmã e claro, a boa
esposa, pois Ernest é o ruim aqui, não ela. Ela é uma vítima, mas nunca
vitimizada por Scorsese, que faz com que Gladstone apareça imponente, posturada,
em muitos momentos altiva, uma presença respeitada por todos e uma ausência
sentida quando acontece o que acontece no filme.
E se acontece o que acontece no filme, da forma como foi
estruturado como cinema, é porque uma das principais vertentes do áudio, antes
dele ser audiovisual, era o rádio. Em 1938, Orson Welles apresentava “Guerra dos
Mundos” no rádio e as pessoas, ao ouvirem aquilo, muitas do meio para frente,
sem saber que era apenas uma história de ficção, acreditaram que a terra estava
sendo invadida por alienígenas.
Elas acreditaram porque criaram todos os efeitos sonoros
para tal e aliada a narração de Welles, que tinha uma voz grave, todo ficou
mais crível, então de certa forma, pode-se dizer que isso foi importante para o
cinema. Scorsese traz isso para “Assassinos da lua das flores” em uma das cenas
mais bonitas da sua carreira, onde vemos como é importante lembrarmos que certas
histórias precisam e merecem ser contadas.
A cortina fecha, o filme acaba e estamos com ele para sempre
na memória, estamos com Mollie Burkhart para sempre em nós e com aquela
melancolia, tristeza e esperança de que algo mudou. “Assassinos da lua das flores”
nos lembra da importância da história, tanto da falada, quanto escrita, quanto
contada oralmente de pessoa para pessoa, mas nunca transformada em arte e são elas que fazem de nós pessoas completas e importantes para quem amamos.
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