“Não quero viver em um lugar que a apatia é alimentada e incentivada”.
Na Nova Iorque de David Fincher em “Seven” sempre chove e não sei até que ponto isso é por acaso.
Não digo isso pela história do filme, uma investigação sobre um serial killer que mata de acordo com os sete pecados capitais, mas sim pela história de Somerset (Morgan Freeman), quer dizer, pelo o que sabemos dela.
O que mais sabemos sobre ele são duas coisas: ele é sozinho e odeia Nova Iorque. Como alguém que não é o maior fã de São Paulo, entendo o sentimento. Ele está anestesiado, então a apatia é alimentada e se torna uma ferramenta para conseguir sobreviver, não viver.
Talvez Fincher odeie Nova Iorque tanto quanto seu personagem principal e talvez já tenha se sentido igual Mills (Brad Pitt) a respeito da cidade, esperançoso, emotivo, animado e assim como aconteceu com Somerset, a cidade o destruiu.
Então, na Nova Iorque chuvosa de Fincher, a história se desenrola. Em nenhum momento faz sol, ou para de chover, chove o tempo todo. A chuva oprime os personagens dentro de sua investigação e os faz nunca esquecer do peso daquele trabalho.
A chuva acompanha a violência do crime ou seja, é mais pesada dependendo do tipo de assassinato. Como a cena da gula ou a cena da luxúria. A chuva é mais leve na medida que a investigação avança, como se a liberdade, a paz, alguma esperança, estivesse a caminho, mas a chuva forte sempre volta.
Mesmo assim, Somerset e Mills continuam investigando, tentando, vivendo. De alguma forma, por mais que o peso exista, principalmente sobre Somerset, é a investigação que os mantém vivos, ativos, com desejo pela vida.
Um dia ouvi uma conversa onde duas pessoas discutiam sobre Seven, uma delas disse “o suspense no filme não existe, não para o público ao menos, nós já sabemos quem é o assassino”.
Realmente, sabemos, porém ao ouvir isso, eu pensei imediatamente na chuva e na revisão também. O suspense maior para mim nunca foi quem era o assassino, mas era quando a chuva ia parar, se é que ia parar, porque aquela chuva o tempo todo me causava (ainda causa) ansiedade, o peso daquela cidade se instalou em mim de certa forma com aquela chuva e com o som dela.
É como se fosse o capítulo de Cem anos de Solidão quando chove sem parar em Macondo por quatro anos. Quando a chuva ia parar? Porque está chovendo daquele jeito? Como as pessoas conseguem viver com aquela chuva?
Assim como em Seven, não sabemos, mas os detetives continuam, mesmo sem querer, mesmo com o peso da chuva se misturando com o peso da investigação e com as suas preocupações pessoais, Somerset vai se aposentar? Tracy (esposa de Mills, vivida por Gwyneth Paltrow) continuará com sua gravidez?
Nesse momento, quando as dúvidas e o peso se tornam insuportáveis, a investigação avança, a chuva para e o sol abre. A solução para os casos chegou de forma inesperada, tanto para o público, quanto para os detetives.
Somos enganados (ou foi só eu mesmo?) por Fincher. Quando o sol abre, penso que teria uma esperança, o caso seria resolvido sem problemas e bom, a vida continuaria, Somerset se aposentaria, Mills continuaria morando com sua esposa em Nova Iorque.
Mas se a chuva era ruim, o sol e o calor são ainda piores. No filme, eles representam a concretização do medo, do “sermão” de John Doe (Kevin Spacey), da loucura de Mills e da solidão de Somerset. A surpresa que o sol traz é indescritível e prova uma coisa, a cidade grande sempre dá um jeito de oprimir.
Somerset diz a fala que inicia o texto sobre apatia, mas infelizmente, esse sentimento é necessário para conseguir viver em qualquer cidade grande, seja ela qual for. O ambiente ao nosso redor é cada vez mais destrutivo e excessivo, a apatia é uma forma de nos protegermos.
Somerset cita Hemingway, “o mundo é um lugar bom e vale a pena lutar por ele. Eu concordo com a segunda parte”.
Eu também, Somerset, eu também.
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