A primeira vez que assisti a “Cidade dos Sonhos” foi há muitos anos atrás, eu não me lembro exatamente quando foi, mas tenho na memória três coisas: a fatídica chave azul tão importante para o filme, a cena de Rebekah Del Rio cantando “Llorando” e que apesar de não ter entendido nada, eu adorei.
Adorei pelo o que vim a perceber anos depois: cinema e principalmente cinema do Lynch, não é de entender, é de sentir. Então, fazer uma revisão, em 4k, numa sala de cinema anos depois da primeira vez, foi uma experiência que eu gostaria de ter tido antes.
Todos nós sonhamos. E em nossos sonhos vivemos uma experiência de fé, um salto de fé diria. Saltamos no meio de algo gerado por nosso inconsciente, pode ser uma vontade, um desejo reprimido, uma frustração, uma característica ruim nossa que tentamos reprimir a todo custo, pode ser qualquer coisa.
Acredito que nossos sonhos são uma experiência de fé do nosso inconsciente. Nós temos fé que o nosso sonho nos levará a um lugar melhor, caso nos deixemos e sempre deixamos, o sonho e os sentimentos comandarem a gente. Mas, o corpo não necessariamente quer isso e aí acordamos.
Mesmo quando acordamos algo fica em nós, uma sensação, memória, música. Somos controlados por isso, independente do motivador do sonho, é algo que nos controla e nos motiva de alguma forma.
Para Betty (Naomi Watts) o motivador é uma frustração, para Lynch o sonho é a ferramenta para expor os nossos sentimentos mais profundos. E penso que em “Cidade dos Sonhos” alguns desses nossos sentimentos são trazidos à nossa frente e por isso é uma experiência muito pessoal e divisiva para cada um.
Vejo muitas pessoas tentando entender o filme, para mim não faz sentido, não entendemos o nosso sonho e a partir do momento que estamos vendo o sonho de outra pessoa, não vamos entender também.
Já vi muitas pessoas achando o filme lento ou tedioso, o que também não entendo, já que os sonhos para gente passam rápido enquanto acontecem, mas eles são predominantemente lentos.
Como disse, acho sonhos um salto de fé e esse filme mostra como somos capazes de saltar e descobrir coisas sobre nós mesmos caso tratemos a vida da mesma forma que tratamos o sonho.
É preciso acreditar na ideia de Lynch para gostar desse filme e é preciso ter um pouco de fé nos sonhos e em si mesmo para ficarmos envolvidos e deixarmos a vida acontecer.
Talvez, quando eu assisti “Cidade dos Sonhos” a primeira vez, eu ainda não era maduro o suficiente para entender as coisas e agora não sei se tenho o bastante, mas isso é que é bom. Os filmes não mudam, mas quando revemos os filmes, somos nós que mudamos e talvez esse seja o maior efeito da arte em nós, a auto reflexão.
P.S: Muito bom como Lynch coloca músicos que gosta em seus trabalhos. Rebekah Del Rio nesse filme, Julee Cruise, Nine inch nails, Chromatics, Lissie em Twin Peaks. É uma forma de mostrar respeito e admiração pelo trabalho da pessoa, principalmente levando em conta que vivemos numa época onde IA é capaz de copiar conteúdo dos outros.
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