Paul Verhoeven depois que dirigiu Robocop, apareceu de forma
esparsa, com filmes bons e outros nem tanto, sempre esperamos ver aquela aura
de suspense e ação em suas obras. É o que vemos em “Elle”, filme que tem uma
ação psicológica e um suspense de tirar o folego.
Acompanhamos a historia de Michele, interpretada pela sempre
brilhante Isabelle Huppert, que é dona de uma produtora de jogos de vídeo game.
Ela foi atacada e abusada sexualmente dentro de sua própria casa, porém, após o
horrível acontecimento, ela passa a receber mensagens do criminoso, além de ele
ir a sua casa quando ela não está.
O suspense aqui é também um estudo de personagem, Michele é
totalmente egoísta, e acredito eu que ela apresente distúrbios psicológicos,
tudo que acontece que não a envolva diretamente é irrelevante, mas, tudo mesmo,
desde acontecimentos com a mãe, até o filho dela. Usando de um sarcasmo e de um
cinismo que surpreendem, ela se blinda contra tudo e usa de pequenas fugas para
ter algum tipo de prazer, como ser odiada pelos funcionários, e manter um caso
com o marido da melhor amiga e sócia.
O sarcasmo dela acontece em momentos que são inesperados, o
que acaba levando o espectador ao riso, como por exemplo, na cena em que ela
joga na cara do filho que, o bebe que ele cria não é dele, “Ele é filho de quem
então?” “Do pai dele, e o pai dele não é você”, antes que considerem isso como
spoiler, esse é apenas um exemplo, há situações em que o sarcasmo é maior e
muito mais perturbador. Essa perturbação disfarçada de cinismo é acentuada pela
atuação excelente de Isabelle Huppert, desde a forma segura de andar, até o
meio sorriso dela quando uma batalha foi ganha, tudo na atuação dela é a
blindagem sarcástica, na cena do jantar isso fica bem claro, e talvez essa seja
a grande cena do filme, por conta dos diálogos pontuados com um cinismo
afiadíssimo.
Tecnicamente falando o filme é uma forma altamente diferente
de contar a historia, a fotografia é escura, mesmo em cenas ensolaradas, apenas
percebemos a presença do sol por conta do uso de óculos escuros pela
protagonista, os figurinos em geral são escuros, e os da Michele variam entre
tons pasteis e entre cores como preto, vermelho e azul, expondo a forma como
ela encara a vida, sendo extremamente pratica e cruel. O uso da trilha é muito
bem feito, sendo esparsa e apenas aparecendo nas cenas de maior ação, seja ela
física ou psicológica, e a trilha surge de repente, assustando em alguns
momentos, pontuando a cena com elegância em outros e ainda dando pistas sobre o
que vai ou pode acontecer. A montagem é muito bem feita, com cortes nos pontos
certos, a montagem unida a trilha tornam as cenas muito bonitas, mesmo com uma
fotografia mais sóbria, e o grande exemplo disso é a cena do jantar, que é
fácil de assistir visualmente, porém difícil de ver por conta da tensão criada
pela construção da cena e por uma trilha bem encaixada.
O titulo do filme é justificado também, vemos que Michele
tem uma vida ótima, e que mesmo assim, ela sente que falta algo, e levando em
consideração que “Elle” é apelido de “Michele” (Mesmo ela não chamada assim no
filme) diz alguma coisa, o “corte” do nome pela metade representa essa sensação
de falta com a qual a personagem convive, e também ela morar sozinha em uma
casa tão grande como aquela pode ser uma representação física dessa ausência
psicológica que ela sente.
A temática do filme foi usada em outros filmes lançados este
ano, como “O Apartamento” e “A Garota Desconhecida”, porém, esse aqui apresenta
uma forma diferente de abordagem, em “O Apartamento” vemos o abuso sexual sendo
abordado em uma sociedade escancaradamente machista, onde a vingança e
humilhação em publico são encorajadas e no Oriente Médio, em “A Garota
Desconhecida” vemos algo mais voltado à empatia, a mulher ajudando e buscando
descobrir a identidade de outra mulher, e usando a culpa como motor para isso,
no caso de “Elle” vemos a parte mental, e como a cabeça da vitima fica após o
acontecido, a personagem já tinha problemas psicológicos antes de acontecer,
mas, depois que acontece e com o passar do tempo, os problemas já existentes se
acentuam, e outros aparecem, como a síndrome de Estocolmo (Aquela que as
pessoas vitimas de um crime pesado, como sequestro, passam a sentir afeto pelo
criminoso), no caso da síndrome, é interessante ver como ela é abordada no
filme, e principalmente, como a personagem a sente, aqui os problemas mentais,
disfarçados através do sarcasmo são
usados como motor da historia. (Lembrando que não sou psicólogo, então minha
analise nesse ponto é de um leigo que é curioso).
Verhoeven acerta, em tudo, na forma de contar a história, no
desenvolvimento da trama, nos personagens e claro, naquilo que o deixou famoso,
no suspense e ação. A ação aqui é muito mais psicológica, porém o diretor se
deu bem com esse tipo, o filme flui facilmente e consegue ser orgânico.
Esperamos que esse Paul Verhoeven remodelado continue assim, como é bom ver um
filme de suspense que foge dos padrões e que busca passar uma mensagem e uma
reflexão usando linguagem e forma diferentes para contar uma história que já
foi abordada em vários filmes. Que tenhamos mais obras desse tipo.
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