Imagem: Globo Filmes |
Paulo Francis, jornalista, disse, sobre o diretor sueco
Ingmar Bergman, descrevendo sua obra como “cinema para adultos”. Laís Bodanzky
é uma diretora que usa a sensibilidade como temática para seus filmes, e, sem
dúvida alguma, faz seu cinema seguir essa definição usada por Francis para o
sueco, o cinema de Bodanzky é para adultos.
Portanto, é certo dizer que ela se supera em “Como Nossos
Pais”, pois além de tratar de temáticas adultas, ela aborda esses assuntos
usando o ponto de vista feminino, o que em qualquer época, é um ato de grande
coragem.
Lançado este ano no Festival de Berlim, a obra conta a
história de Rosa, interpretada por Maria Ribeiro, que, em um almoço de família,
no qual estão a mãe Clarisse (representada pela ótima Clarisse Abujamra), o
marido Dado (Paulo Vilhena), o irmão e a mulher, e ainda suas duas filhas
pequenas. Rosa sofre pressão de vários lados, para que seja engajada, moderna, trabalhadora,
e aliado a isso, há um conflito de gerações que ela tem de enfrentar.
A obra consegue, pelo ponto de vista técnico, trazer várias
nuances a um filme que já seria rico por si só mesmo que filmado de maneira
simples. Sua fotografia é interessante já que cria uma divisão entra Rosa e
Dado, assim como a montagem, fora que determinadas referencias a outros dois
filmes contribuem para o funcionamento da projeção.
A fotografia é bem clara, querendo mostrar todos os detalhes
de ambientes sempre cheios de coisas. A casa de Clarisse contem várias plantas,
livros e referencias a sociologia, politica e literatura (já que ela trabalhou
com isso). Assim como a de Rosa, que na sala onde deixa o seu notebook, contem
na mesma mesa, um exemplar de “Casa de Bonecas” de Ibsen, livro que norteia
todo o filme. (Falarei mais sobre posteriormente no texto).
Sua montagem é interessante em sempre demonstrar uma divisão
entre Rosa e os outros personagens. Usando a noção de campo-contra campo, há
diversos cortes nos diálogos, para que mostre sempre um dos interlocutores
falando e quase nunca duas pessoas conversando são expostas sem que exista esta
noção. Um exemplo muito bonito dessa divisão, nem reside nesse corte, mas sim
em um momento em que a mulher está lendo histórias para as filhas, e com a câmera
parada o espectador vê dois cômodos distintos lado a lado, o da esquerda, é o
quarto onde Rosa dorme com o marido, o quarto está escuro, sem cor, e com a
cama com lençóis e travesseiros brancos, em compensação, na direita, o quarto
das filhas é cheio de cor, um ambiente claro, cheio de objetos pertencentes às
duas meninas e com a luz ligada.
O que pode ser considerado uma metáfora de como é a vida de
Rosa, se, por um lado, há muita coisa boa, as filhas, o apartamento, o emprego,
há também muita coisa ruim, duas descobertas familiares de peso, o marido que
não ajuda nada em casa e parece não se importar com o andamento da vida familiar,
a grande responsabilidade de carregar as despesas da residência quase sozinha,
a preocupação com as filhas e claro, o fato de ser mulher em uma sociedade
machista.
Na projeção, há diversas referencias a dois filmes de Ingmar
Bergman, e são: “Sonata de Outono” e “Cenas de um Casamento”. Em “Sonata
de Outono” Bergman retrata a relação entre mãe (Ingrid Bergman em seu ultimo
filme) e a filha Liv Ullmann, onde as duas passam alguns dias juntas
desabafando sobre como uma afetou a relação da outra, assim como Rosa e
Clarisse fazem em determinados momentos de “Como Nossos Pais”, além do mais, a
mãe em “Sonata” é pianista, e Clarisse toca piano no filme de Bodanzky, e
algumas das conversas entre Rosa e a mãe acontecem em frente ao instrumento.
Já em “Cenas de um Casamento”, Bergman aborda a relação
entre o casal formado por Johan (Erland Josephson) e Marianne (Liv Ullmann),
que em determinado momento, Johan diz a mulher que se apaixonou por outra e vai
se separar e o filme mostra diversos momentos (as tais cenas) em anos
diferentes, em que o homem e a mulher, continuam se encontrando e se amando
mesmo assim. Em “Como Nossos Pais” essas cenas podem ser vistas quando Rosa e
Dado, mesmo discutindo, em um relacionamento cheio de desconfianças, ainda
assim continuam se amando e se encontrando em períodos (mais curtos que no
filme de Bergman), e tentando se segurar no casamento.
Fora que, Liv Ullmann, interpretou durante quase toda sua
carreira a personagem “Nora”, de “Casa de Bonecas”, livro preferido de Rosa no
filme de Bodanzky e que serve para
inspirar sua vida e seu trabalho, assim como serviu para inspirar Ullmann em
diversos momentos, como fica bem claro na sua autobiografia “Mutações”.
Claro que todos esses aspectos, essas referencias, não
seriam possíveis sem um grande elenco. Maria Ribeiro e Clarisse Abujamra
compõem duas mulheres fortes, que sentem o peso de sua geração, e tentam lidar
com essa responsabilidade, de serem boas mães, mulheres modernas, engajadas,
lidando com os desafios de suas respectivas gerações e claro, por serem
mulheres em uma sociedade machista.
“Como Nossos Pais” é um filme sobre força, sensibilidade,
empatia, luta contra o patriarcado e claro, um filme para adultos, vindo de um
cinema para adultos que Laís Bodanzky é tão competente em fazer. Sem dúvida, um
dos melhores filmes de sua carreira.
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