10/02/2017 10:03:00 AM

Crítica: Cinema sensível e para adultos em “Como Nossos Pais”

Como Nossos Pais
Imagem: Globo Filmes
Paulo Francis, jornalista, disse, sobre o diretor sueco Ingmar Bergman, descrevendo sua obra como “cinema para adultos”. Laís Bodanzky é uma diretora que usa a sensibilidade como temática para seus filmes, e, sem dúvida alguma, faz seu cinema seguir essa definição usada por Francis para o sueco, o cinema de Bodanzky é para adultos.

Portanto, é certo dizer que ela se supera em “Como Nossos Pais”, pois além de tratar de temáticas adultas, ela aborda esses assuntos usando o ponto de vista feminino, o que em qualquer época, é um ato de grande coragem.




Lançado este ano no Festival de Berlim, a obra conta a história de Rosa, interpretada por Maria Ribeiro, que, em um almoço de família, no qual estão a mãe Clarisse (representada pela ótima Clarisse Abujamra), o marido Dado (Paulo Vilhena), o irmão e a mulher, e ainda suas duas filhas pequenas. Rosa sofre pressão de vários lados, para que seja engajada, moderna, trabalhadora, e aliado a isso, há um conflito de gerações que ela tem de enfrentar.

A obra consegue, pelo ponto de vista técnico, trazer várias nuances a um filme que já seria rico por si só mesmo que filmado de maneira simples. Sua fotografia é interessante já que cria uma divisão entra Rosa e Dado, assim como a montagem, fora que determinadas referencias a outros dois filmes contribuem para o funcionamento da projeção.

A fotografia é bem clara, querendo mostrar todos os detalhes de ambientes sempre cheios de coisas. A casa de Clarisse contem várias plantas, livros e referencias a sociologia, politica e literatura (já que ela trabalhou com isso). Assim como a de Rosa, que na sala onde deixa o seu notebook, contem na mesma mesa, um exemplar de “Casa de Bonecas” de Ibsen, livro que norteia todo o filme. (Falarei mais sobre posteriormente no texto).

Sua montagem é interessante em sempre demonstrar uma divisão entre Rosa e os outros personagens. Usando a noção de campo-contra campo, há diversos cortes nos diálogos, para que mostre sempre um dos interlocutores falando e quase nunca duas pessoas conversando são expostas sem que exista esta noção. Um exemplo muito bonito dessa divisão, nem reside nesse corte, mas sim em um momento em que a mulher está lendo histórias para as filhas, e com a câmera parada o espectador vê dois cômodos distintos lado a lado, o da esquerda, é o quarto onde Rosa dorme com o marido, o quarto está escuro, sem cor, e com a cama com lençóis e travesseiros brancos, em compensação, na direita, o quarto das filhas é cheio de cor, um ambiente claro, cheio de objetos pertencentes às duas meninas e com a luz ligada.

O que pode ser considerado uma metáfora de como é a vida de Rosa, se, por um lado, há muita coisa boa, as filhas, o apartamento, o emprego, há também muita coisa ruim, duas descobertas familiares de peso, o marido que não ajuda nada em casa e parece não se importar com o andamento da vida familiar, a grande responsabilidade de carregar as despesas da residência quase sozinha, a preocupação com as filhas e claro, o fato de ser mulher em uma sociedade machista.

Na projeção, há diversas referencias a dois filmes de Ingmar Bergman, e são: “Sonata de Outono” e “Cenas de um Casamento”. Em “Sonata de Outono” Bergman retrata a relação entre mãe (Ingrid Bergman em seu ultimo filme) e a filha Liv Ullmann, onde as duas passam alguns dias juntas desabafando sobre como uma afetou a relação da outra, assim como Rosa e Clarisse fazem em determinados momentos de “Como Nossos Pais”, além do mais, a mãe em “Sonata” é pianista, e Clarisse toca piano no filme de Bodanzky, e algumas das conversas entre Rosa e a mãe acontecem em frente ao instrumento.

Já em “Cenas de um Casamento”, Bergman aborda a relação entre o casal formado por Johan (Erland Josephson) e Marianne (Liv Ullmann), que em determinado momento, Johan diz a mulher que se apaixonou por outra e vai se separar e o filme mostra diversos momentos (as tais cenas) em anos diferentes, em que o homem e a mulher, continuam se encontrando e se amando mesmo assim. Em “Como Nossos Pais” essas cenas podem ser vistas quando Rosa e Dado, mesmo discutindo, em um relacionamento cheio de desconfianças, ainda assim continuam se amando e se encontrando em períodos (mais curtos que no filme de Bergman), e tentando se segurar no casamento.

Fora que, Liv Ullmann, interpretou durante quase toda sua carreira a personagem “Nora”, de “Casa de Bonecas”, livro preferido de Rosa no filme de Bodanzky  e que serve para inspirar sua vida e seu trabalho, assim como serviu para inspirar Ullmann em diversos momentos, como fica bem claro na sua autobiografia “Mutações”.

Claro que todos esses aspectos, essas referencias, não seriam possíveis sem um grande elenco. Maria Ribeiro e Clarisse Abujamra compõem duas mulheres fortes, que sentem o peso de sua geração, e tentam lidar com essa responsabilidade, de serem boas mães, mulheres modernas, engajadas, lidando com os desafios de suas respectivas gerações e claro, por serem mulheres em uma sociedade machista.

“Como Nossos Pais” é um filme sobre força, sensibilidade, empatia, luta contra o patriarcado e claro, um filme para adultos, vindo de um cinema para adultos que Laís Bodanzky é tão competente em fazer. Sem dúvida, um dos melhores filmes de sua carreira. 

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