3/25/2018 09:00:00 PM

Crítica: O Sacrifício do Cervo Sagrado

The Killing of The Sacred Deer
Imagem: Divulgação / Diamond Films

Yorgos Lanthimos não é um diretor comum, e isso fica provado a cada filme que ele faz. Desde seu “Dente Canino”, uma clara alegoria ao mito da caverna, idealizado por Platão, passando por “O Lagosta”, projeção forte sobre relacionamentos e a necessidade (ou não) de termos alguém para compartilhar os problemas da vida.

Até que chegamos a esse "O Sacrifício do Cervo Sagrado" e a obra do diretor sobe um nível, o que já era bom e incomodo, fica melhor e mais incomodo, devido a inteligência do realizador em buscar a imprevisibilidade utilizando os aspectos técnicos.


Vencedor do premio de Melhor Roteiro no ultimo Festival de Cannes, acompanhamos a história de Steven (interpretado por Colin Farrell), um cirurgião cardiologista bem-sucedido em todos os aspectos da vida, é rico, tem uma família aparentemente perfeita – formada por Anna (Nicole Kidman) e os filhos Kim e Bob. Ele tem como amigo o jovem Martin, filho de um paciente que morreu em sua mesa de cirurgia. O contato entre os dois é mantido devido a isso, até que Martin decide se vingar, quando o médico passa a dar menos atenção a ele, e para cumprir seu objetivo, tem como principal atitude atingir a família de Steven.

O clima de suspense está o tempo inteiro na narrativa, esse mantenimento é possível graças a montagem e aos movimentos de câmera que remetem a outros dois filmes de maneira fortíssima, “Dente Canino” do próprio Lanthimos e “De Olhos bem Fechados” de Stanley Kubrick.

Em relação ao primeiro filme, o tratamento intrapessoal da família é claramente utilizado, os pais (Farrell e Kidman) são dominantes em relação aos filhos, buscando mandar em tudo, inclusive na forma de pensar dos herdeiros, porém, Steven é dominante em relação a Anna - diferente de "Dente Canino" onde os pais tem um padrão de igualdade. Em relação aos filhos, o exemplo da superioridade pode ser visto nas cenas ás quais ele manda neles de maneira brusca (principalmente o mais novo) a fazer algo, “Bob, eu não disse para você cortar o cabelo?”, “Sua irmã é quem sai para passear com o cachorro, você rega as plantas”.

Porém, os movimentos de câmera foram inspirados em “De Olhos Bem Fechados”, os recorrentes travellings com a câmera na mão, quando os personagens estão indo para algum lugar, o movimento é para trás, como se eles estivessem andando em direção ao espectador e no caso de eles estarem saindo de algum local, ou em algum momento mais agudo, o movimento é para frente, sempre com a câmera distante deles.

Essa câmera distante mostra o desejo do diretor de que o público não se identifique com os personagens da narrativa, que vejamos tudo como meros espectadores e não como possíveis participantes da trama, dando ao espectador a possibilidade de analisar tudo aquilo de longe, o suspense em relação ao destino dos personagens aumenta, é muito mais fácil, em qualquer situação, ler os acontecimentos não fazendo parte dele.

Claro, a montagem facilita isso, são pouquíssimos cortes em cada cena, possibilitando a visualização dos fatos por dois pontos de vista totalmente distintos, na primeira hora, seguimos Steven e na segunda hora, Anna se torna a personagem principal, por tudo aquilo que acontece entre uma hora e outra, essa mudança de foco em relação aos personagens se torna necessária.

Para que a criação de uma história tão complexa seja possível, é essencial que o roteiro não apresente nenhuma brecha, é justamente esse o caso, pois toda ponta solta vai sendo amarrada no decorrer da projeção, nenhuma expectativa criada não foi cumprida e ainda temos o beneficio do final e de como tudo aquilo aconteceu ficarem abertos a interpretação de cada um.

Além do roteiro excelente, o filme conta com atuações muito boas de todo o elenco, principalmente de Farrell, criando um personagem frio e pragmático ao extremo, perdendo essas características de forma gradual durante a projeção, e de Barry Keoghan, que constrói Martin como um personagem vaidoso, também frio, mas com traços de loucura e um desejo de passar esse sentimento para as outras pessoas.  

Lembrando em seu final o clássico de Haneke “Violência Gratuita”, como se a obra dissesse que nada vai dar certo e que não adianta sermos otimistas, “The Killing of The Sacred Deer” justifica seu título, realizando um sacrifício de algo sagrado, basta ao público escolher o que lhe é mais caro, se a sua própria vida, se a do outro ou se o otimismo em relação ao mundo e a sociedade da qual fazemos parte. 

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