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This critic is part of Chicago Film Festival 2021 coverage
Phil Burbank é uma pessoa má e muito por isso é uma pessoa
sozinha. Rancheiro por vontade própria (levando em consideração a sua formação
acadêmica citada em certo momento), o protagonista de “O Poder do Cão”, novo
filme da diretora Jane Campion, é um homem que consciente ou inconscientemente
cavou sua própria solidão e tenta sair dela a qualquer custo.
Esse é o motivo do personagem interpretado por Benedict Cumberbatch querer saber onde George está e o que este sente. O irmão de Phil (interpretado por Jesse Plemons), conseguiu sair da solidão na qual estava, ao se casar com Rose (Kirsten Dunst) e encontrar nela e em Peter (filho desta) a oportunidade de ser gentil como ele é naturalmente, sem precisar se disfarçar como um rancheiro grosso.
Não que Phil disfarce, ele é de fato uma pessoa grossa, mas
há no personagem algo de exageradamente masculino (ou ao menos o que é dito e
tratado como masculino) que Campion usa como deboche. O controle de Phil sobre
tudo, a falta de limpeza, a profissão, tudo isso o protagonista usa como forma
de espalhar sua grosseria e disfarçar o que de fato sente para as outras
pessoas.
Isso funciona pois o que é dito como masculino é justamente
aquilo representado por Phil. A gentileza, o carinho, o mostrar o que está
sentindo, não faz parte daquilo que é ser um homem pelo ponto de vista social (e pelo o de Phil).
Homens não sentem, homens são provedores. Campion junta esses pontos em uma
mesma figura, de maneira a não vermos o seu protagonista como um personagem
ruim apenas por prazer, mas sim para manter uma imagem que ele acredita ser
necessária por ser um homem.
Ao se ver com a certeza da solidão pelo resto da vida, a
besta, o cão – como Campion retrata o protagonista através daquela colina em
frente ao rancho – ele se vê também desafiado indiretamente por George e Peter.
Se Phil é grosseiro, seu irmão e o enteado deste são homens gentis, que não se
incomodam ao ter atitudes ditas femininas por uma sociedade estruturalmente
machista.
Se Phil é o estereotipo machista com o qual Campion debocha,
George e Peter são os homens os quais Campion usa para mostrar como a sociedade
seria melhor se nós, homens, fossemos um pouco parecidos com esses dois. Eles não
se importam em ajudar as pessoas, são naturalmente gentis, deixam claro para
Phil como ele é grosseiro sem nenhuma necessidade de ser e fazem isso
através de atitudes simples.
Qual é o problema de Peter fazer esculturas de flores com
papel? Qual é o problema desse mesmo Peter não gostar ou não querer gostar de
coisas relacionadas ao rancho, como o controle do gado e afins? Qual é o
problema dele ajudar a mãe no pequeno restaurante que é a sua fonte de renda?
Não há problema nisso, da mesma maneira que não há nada demais em George, mesmo
sendo um homem rico, ajudar essa mulher no restaurante, ouvi-la, querer que ela
se expresse, não há nada demais em dar atenção para o outro.
Claro que nem George e Peter são perfeitos, até porque,
ninguém é. Até mesmo eles têm coisas ruins, da mesma forma que Phil tem coisas
boas, pois os seres humanos são essa junção de coisas boas e ruins que formam
nossas personalidades e nos constroem como parte de um ambiente coletivo. Nem
todos são totalmente a besta, são o cão, pois todos temos um pouco disso dentro
de nós.
Ao retratar essa multiplicidade masculina, Campion mostra
como a solidão faz parte de nós homens e como a solidão não é o problema. O
problema é quando se usa essa solidão como motivo para tratar os outros mal.
Phil é um homem assim e ele só muda a abordagem quando ele acha que está no
fundo do poço, George escolhe não ser assim e Peter usa a solidão como
ferramenta de manipulação para, de certa maneira, proteger sua mãe.
Nada que Phil faz é sem motivo. A inveja citada no começo do
texto caminha junto com a solidão do protagonista. Ele odeia Rose, porque ela é
um símbolo de algo que ele (Phil) nunca terá e ela “roubou” George de Phil. Se
em muitos momentos do filme não vemos Phil, mas vemos Rose triste, sentimos a
presença dele no local que Rose está, pois as atitudes dele de controle,
pressão e abuso psicológico, fazem isso com a mulher.
Mas, nem ele, que é a representação física do mal dentro da
obra, quer ficar sozinho para sempre. Claro que a falta de tato ao lidar com as
pessoas é uma coisa que o prejudica, ele não expressa mal seus sentimentos por
burrice, mas sim por falta de prática, se com Peter ele descobre que é
capaz disso, é com esse mesmo Peter que ele descobre que é tarde demais para
aprender.
Porque as pessoas têm preferencias. Cada um de nós prefere
umas coisas a outras e umas pessoas a outras. Peter preferiu a mãe, George
preferiu Rose (o quadro final mostra isso de maneira belíssima) e ninguém
preferiu Phil, assim como muitas pessoas fariam e fazem o mesmo ao não
preferir você.
Ou se abraça a solidão e é gentil com as pessoas mesmo
sabendo que se é sozinho e vai continuar assim, ou se torna o mal
encarnado, a besta, o cão do filme de Jane Campion. O problema é que ninguém,
nem mesmo os gentis, aguentam ficar sozinhos o tempo todo e nesse caso, mesmo
abraçado com a solidão, não é e nunca vai ser uma escolha sábia agir igual a
Phil e em geral, quando se percebe isso, é tarde demais.
Texto que faz parte da cobertura da edição 2021 do Festival de cinema de Chicago
This critic is part of Chicago Film Festival 2021 coverage
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