10/21/2021 12:00:00 AM

Chicago Film Festival: Power of the dog

Power of the dog
Imagem: DIVULGAÇÃO

Texto que faz parte da cobertura da edição 2021 do Festival de cinema de Chicago

This critic is part of Chicago Film Festival 2021 coverage

Muitas vezes a inveja e a solidão caminham juntas. Quando nos deparamos com situações de medo de perder algo ou alguém para outra pessoa, na maioria das vezes sentimos inveja daquilo que perdemos, daquela coisa anteriormente sozinha como você, mas agora com um outro alguém e totalmente abraçada a uma vida completamente diferente da vida solitária.

Phil Burbank é uma pessoa má e muito por isso é uma pessoa sozinha. Rancheiro por vontade própria (levando em consideração a sua formação acadêmica citada em certo momento), o protagonista de “O Poder do Cão”, novo filme da diretora Jane Campion, é um homem que consciente ou inconscientemente cavou sua própria solidão e tenta sair dela a qualquer custo.

Esse é o motivo do personagem interpretado por Benedict Cumberbatch querer saber onde George está e o que este sente. O irmão de Phil (interpretado por Jesse Plemons), conseguiu sair da solidão na qual estava, ao se casar com Rose (Kirsten Dunst) e encontrar nela e em Peter (filho desta) a oportunidade de ser gentil como ele é naturalmente, sem precisar se disfarçar como um rancheiro grosso.

Não que Phil disfarce, ele é de fato uma pessoa grossa, mas há no personagem algo de exageradamente masculino (ou ao menos o que é dito e tratado como masculino) que Campion usa como deboche. O controle de Phil sobre tudo, a falta de limpeza, a profissão, tudo isso o protagonista usa como forma de espalhar sua grosseria e disfarçar o que de fato sente para as outras pessoas.

Isso funciona pois o que é dito como masculino é justamente aquilo representado por Phil. A gentileza, o carinho, o mostrar o que está sentindo, não faz parte daquilo que é ser um homem pelo ponto de vista social (e pelo o de Phil). Homens não sentem, homens são provedores. Campion junta esses pontos em uma mesma figura, de maneira a não vermos o seu protagonista como um personagem ruim apenas por prazer, mas sim para manter uma imagem que ele acredita ser necessária por ser um homem.

Ao se ver com a certeza da solidão pelo resto da vida, a besta, o cão – como Campion retrata o protagonista através daquela colina em frente ao rancho – ele se vê também desafiado indiretamente por George e Peter. Se Phil é grosseiro, seu irmão e o enteado deste são homens gentis, que não se incomodam ao ter atitudes ditas femininas por uma sociedade estruturalmente machista.

Se Phil é o estereotipo machista com o qual Campion debocha, George e Peter são os homens os quais Campion usa para mostrar como a sociedade seria melhor se nós, homens, fossemos um pouco parecidos com esses dois. Eles não se importam em ajudar as pessoas, são naturalmente gentis, deixam claro para Phil como ele é grosseiro sem nenhuma necessidade de ser e fazem isso através de atitudes simples.

Qual é o problema de Peter fazer esculturas de flores com papel? Qual é o problema desse mesmo Peter não gostar ou não querer gostar de coisas relacionadas ao rancho, como o controle do gado e afins? Qual é o problema dele ajudar a mãe no pequeno restaurante que é a sua fonte de renda? Não há problema nisso, da mesma maneira que não há nada demais em George, mesmo sendo um homem rico, ajudar essa mulher no restaurante, ouvi-la, querer que ela se expresse, não há nada demais em dar atenção para o outro.

Claro que nem George e Peter são perfeitos, até porque, ninguém é. Até mesmo eles têm coisas ruins, da mesma forma que Phil tem coisas boas, pois os seres humanos são essa junção de coisas boas e ruins que formam nossas personalidades e nos constroem como parte de um ambiente coletivo. Nem todos são totalmente a besta, são o cão, pois todos temos um pouco disso dentro de nós.

Ao retratar essa multiplicidade masculina, Campion mostra como a solidão faz parte de nós homens e como a solidão não é o problema. O problema é quando se usa essa solidão como motivo para tratar os outros mal. Phil é um homem assim e ele só muda a abordagem quando ele acha que está no fundo do poço, George escolhe não ser assim e Peter usa a solidão como ferramenta de manipulação para, de certa maneira, proteger sua mãe.

Nada que Phil faz é sem motivo. A inveja citada no começo do texto caminha junto com a solidão do protagonista. Ele odeia Rose, porque ela é um símbolo de algo que ele (Phil) nunca terá e ela “roubou” George de Phil. Se em muitos momentos do filme não vemos Phil, mas vemos Rose triste, sentimos a presença dele no local que Rose está, pois as atitudes dele de controle, pressão e abuso psicológico, fazem isso com a mulher.

Mas, nem ele, que é a representação física do mal dentro da obra, quer ficar sozinho para sempre. Claro que a falta de tato ao lidar com as pessoas é uma coisa que o prejudica, ele não expressa mal seus sentimentos por burrice, mas sim por falta de prática, se com Peter ele descobre que é capaz disso, é com esse mesmo Peter que ele descobre que é tarde demais para aprender.

Porque as pessoas têm preferencias. Cada um de nós prefere umas coisas a outras e umas pessoas a outras. Peter preferiu a mãe, George preferiu Rose (o quadro final mostra isso de maneira belíssima) e ninguém preferiu Phil, assim como muitas pessoas fariam e fazem o mesmo ao não preferir você.

Ou se abraça a solidão e é gentil com as pessoas mesmo sabendo que se é sozinho e vai continuar assim, ou se torna o mal encarnado, a besta, o cão do filme de Jane Campion. O problema é que ninguém, nem mesmo os gentis, aguentam ficar sozinhos o tempo todo e nesse caso, mesmo abraçado com a solidão, não é e nunca vai ser uma escolha sábia agir igual a Phil e em geral, quando se percebe isso, é tarde demais. 

Texto que faz parte da cobertura da edição 2021 do Festival de cinema de Chicago

This critic is part of Chicago Film Festival 2021 coverage

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