11/16/2021 08:25:00 PM

Crítica: Noite passada em Soho

Noite passada em Soho
Imagem: DIVULGAÇÃO
“Londres é uma cidade difícil”, ao longo da trajetória de Ellie (Thomasin Mackenzie) em “Noite passada em Soho” essa frase e variações dela são ditas algumas vezes pelos personagens, que nunca se sentem confortáveis na cidade e expressam isso de maneira bem segura, seja para si mesmos ou para os outros.

Ellie descobre isso na pele no novo filme de Edgar Wright, quando se muda para Londres porque passou em uma conceituada faculdade de moda. Ao não se adaptar a república da faculdade e as pessoas daquele local, a jovem decide se mudar e passa a viver em um quartinho no bairro do Soho. Ela é uma jovem que tem a capacidade de ver fantasmas e suas histórias e passa a ver Sandie (Anya Taylor-Joy), sua vida de cantora e dançarina nos anos 60, se tornando cada vez mais próxima de tudo aquilo.

Não apenas devido a gostar muito das músicas e roupas dos anos 60, mas também porque suas experiências na faculdade e na nova cidade são bem ruins. Assim, ela busca fugir daquele ambiente de alguma forma e a ferramenta que encontra para isso está nela mesma e em Sandie. Uma cidade como Londres oprime a todos e se pensarmos no meio no qual Ellie está inserida, essa sensação se potencializa.

Da mesma forma que São Paulo, cidade onde moro, também oprime o morador e o visitante. As pessoas em geral são como Jocasta, a colega de sala de Ellie, falsas, invejosas, que usam a sua história para tentar te envergonhar de alguma maneira, para fazer você se sentir culpado com algo que é naturalmente seu e que muitas vezes, você nem tem culpa daquilo.

Então é fácil, pelo menos para mim e nesse ponto em específico, se identificar com Ellie e agir da maneira cautelosa como ela age em vários momentos. Da mesma maneira que é algo muito fácil ver como ela é boa em desenhar as roupas que desenha, não apenas por ter uma base muito bem definida do que quer (algo relacionado aos anos 60), mas também por ver as roupas e os seus desenhos como uma maneira de se expressar, um espelho de si mesma.

Por falar em espelhos, é interessante como esses são usados de diversas formas, mas principalmente para reforçar como várias das coisas daquela história são mentiras. Claro, cinema é mentira e tudo o que vemos na tela existe para o mundo dentro da tela, mas, da mesma maneira que Ellie usa a roupa como um espelho, Wright usa o espelho como ferramenta de sincronia.

É só reparar em como Ellie e Sandie estão sincronizadas em uma série de momentos (cena que elas se “encontram” pela primeira vez é um ótimo exemplo), da mesma forma como os espelhos distorcem Londres como cidade. O reflexo das pessoas é distorcido e desfocado nas vitrines das lojas e nos vidros externos dos bares, o branco do casaco de Ellie é ofuscante devido a luz dessa distorção e claro, como as pessoas não se refletem umas as outras através da empatia, por serem extremamente egoístas.

Talvez esse seja o motivo pelo qual a aproximação de Ellie com Sandie e por consequência com a moda tenha sido um substitutivo para Londres. Oprimida pela cidade, em busca por identidade e em busca da gana para desenhar, fica muito mais fácil quando a personagem esquece do ambiente ao seu redor e foca, mesmo com dificuldade, na fantasma que vê.

Mesmo nas festas – que dão uma vontade considerável de se divertir com amigos – essa opressão da cidade grande é presente. Da mesma maneira que a personagem de “O Circo das Almas” se sente engolida pelo ambiente ao redor e pelas visões que tem, Ellie se sente oprimida pelo que Sandie gera nela e pela Londres moderna, cidade que tem como principal desejo fazer as pessoas se sentirem mal consigo mesmas e de imporem esse mal aos outros.

Sandie também foi engolida por Londres e pela noite da cidade, ela e Ellie tem muito mais em comum do que os espelhos do filme deixam transparecer. Ambas foram distorcidas por uma cidade que se apresenta como algo bom, mas na verdade é o espelho quando a luz bate nele e distorce a imagem refletida. Cidades grandes em geral distorcem a sua imagem e a imagem que você tem de si mesmo.

Por mais que Wright use luzes de cores diferentes em momentos diferentes, a Londres dele é esse tipo de espelho. Ellie é apenas uma pessoa no meio de tudo aquilo e assim como nós, ela tenta escapar disso a todo custo. O “Inferno” (nome de um bar aonde a protagonista vai em certo momento) é o ambiente que nos oprime e a continuidade disso são as várias noites passadas nos bairros onde vivemos, na cidade onde moramos.

Não sei se Edgar Wright odeia Londres, mas acredito que “Noite passada em Soho” seja uma carta de ódio as metrópoles como um todo e a distância representadas por elas em relação as pessoas. Caso seja isso, me vejo inclinado a concordar com ele. Cidades grandes são apenas e unicamente, estruturalmente bacanas e tudo o que queremos é jogar uma pedra nesse espelho de ilusões, mesmo que isso gere azar por sete anos. 

Um comentário:

  1. Não assisti ainda, mas pelo que você tratou o que marca é o uso do jogo de espelhos fazendo alusão a ideia da imagem. E em quantas imagens podemos nos projetar ou aprisionar, o trailer me impressionou bastante, mesmo eu tendo achado que ele mostrou demais. Mas , enfim agora, só assistindo.

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