7/08/2022 06:20:00 PM

Crimes of the future, consumo e amizade

Imagem: DIVULGAÇÃO

Dedico o texto aos que se esforçaram para gostar de mim por algum motivo, a meu ver, inexplicável. Aproveito para pedir desculpas, ninguém deveria se esforçar por isso.

Aos que não ficaram mesmo com o esforço ou mesmo sem ter feito nenhum esforço, eu entendo, eu prometo que entendo.

Para aqueles que buscam se entorpecer da solidão de alguma forma e assim como eu, usam o cinema como principal droga.

Para os amigos.

E sempre para meus pais, que mesmo com meu caráter frio, sempre ficam. 

A arte é a busca pelo consumir

O consumo da arte é a eterna busca pelo sentir algo, independente do que esse algo seja. Saul Tenser, protagonista de “Crimes of the future”, dirigido por David Cronenberg (dono de clássicos do body horror), faz o que faz no filme pois ele busca o entorpecimento através do sentimento, mesmo que esse sentimento não seja absolutamente nada. Se ele chegar a esse nada de maneira natural e não artificial, para ele (e para mim) está tudo bem, o importante é chegar a algo. 

Hoje em dia, tudo no cinema é artificial. Os filmes de herói são iguais apenas os personagens mudam, os remakes e sequências de obras clássicas de seus respectivos gêneros, por mais que algumas sejam boas (Top Gun Maverick é brilhante), também são repetições e por sua vez, essas repetições também repetem algo que já foi feito em algum momento dentro de alguma modalidade de arte.

Nós aceitamos o artificial. Nós aceitamos a repetição na arte e nos satisfazemos com isso, aceitamos a não intensidade dos filmes que nos são apresentados e com isso, nos tornamos bonecos e não pessoas. Cronenberg fala sobre isso mesmo que inconscientemente. O fato dos personagens usarem o corpo como realidade e portanto os sentimentos como realidade (“Body is reality” é dito em dado momento), é algo que mostra como nós aceitamos tudo isso de bom grado.

Fizemos isso por vários motivos, convenhamos. Vivemos em um país extremamente singular, onde precisamos do básico para viver e esse básico é cada vez mais caro, logo, temos outras coisas muito mais emergenciais para se pensar do que a arte. Arte é privilégio, arte é um tipo de elite e é, assim como a elite financeira é, inútil.

Essa inutilidade é algo que todos nós temos o direito de ter e se quisermos, nos mantermos dentro dela. Somos, como diria FKA Twigs em um verso de uma música, “criaturas do desejo”, logo, o consumo faz parte desse desejo e o consumo inútil deveria ser o direito de todos.

O problema é que até esse consumo foi dominado pelo artificial e por mais que precisemos e muitas vezes queiramos o inútil, o real ainda é o mais buscado. Digo isso por duas coisas, a primeira é o que deveria ser o principal assunto desse texto, “Crimes of the future”, Saul Tenser, um homem que busca o tempo todo o real, o sentir algo que faça tudo mudar, inclusive sua relação com Caprice e a segunda, bom, sou eu.

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A arte é a eterna busca pelo sentir

Um pouco antes de começar a escrever esse texto, após refletir bastante, eu estava, novamente, deixando de seguir pessoas com as quais eu não interajo nas redes sociais. Não é que eu não interajo por maldade ou por não gostar dessas pessoas, eu apenas não interajo e para mim não faz o menor sentido seguir pessoas nas redes com as quais eu não falo ou não deixo um likezinho nos posts delas.

Sempre fui uma pessoa com dificuldade de fazer e manter amizades, sou um cara não exatamente difícil de interagir, mas relativamente complicado de fazer isso, é muito fácil não querer ser meu amigo, é muito fácil se afastar de mim, é muito fácil não querer nenhum tipo de envolvimento amoroso comigo, então, nas relações que ficaram um pouco mais de tempo que a média fica, eu me esforço, busco estar ali, não apenas porque eu preciso daquelas pessoas, mas porque busco relações não artificiais dentro de uma sociedade cada vez mais artificial. 

Vivemos no mundo de Belle Belinha, de tik tok, de integração virtual e não real. Saul Tenser, protagonista de Crimes of the future, também vive. O filme fala sobre o artificial, sobre a busca por sentir algo mesmo esse algo sendo o nada, o entorpecimento da dor que mora em você e portanto, é a sua coisa real. 

“Ele usa esse aparelho para dormir mal, pois artistas buscam sentir algo a qualquer momento, mesmo que seja dor”, diz uma personagem sobre Tenser em dado momento e faz sentido se pensarmos em nós mesmos, é algo que se torna pessoal. Redes sociais são enganosas, as relações formadas dentro dela constroem essa relação falsa e fazem a gente pensar que temos algo real.

Eu caí nessa, Saul Tenser também cairia, ele pensaria assim como eu, que ele tem outra pessoa para falar, um amigo ou amiga para interagir, alguém com quem compartilhar seja lá o que for. No caso de Tenser, ele tem Caprice, sua companheira, que o ama, que não apenas o entende como alguém real, mas que o entende como alguém sensível, alguém que precisa botar sentimentos para fora e sente vontade de ouvi-lo. 

Ambos, para se aliviar de seus sentimentos, escapar do artificial que a sociedade os impõe, mesmo que através da dor (“surgery is the new sex”- Cirurgia é o novo sexo), eles usam a arte, mais especificamente a arte performática, que é, provavelmente, a arte mais física que existe. A performance exige muito do corpo, exige usar o seu corpo como ferramenta. 

“É o meu pincel”, diz Caprice quando perguntada sobre o porquê ela tem um instrumento feito para autópsias em casa. Ela usa esse pincel para se expressar e para ajudar Tenser a tirar dele órgãos criados sem sua vontade em seu corpo, para ela, claro, ele é uma pessoa, mas também uma tela, alguém em quem se aprofundar, desenvolver relações e literalmente cortar.

Somos as telas das pessoas com as quais nos relacionamos. Sempre digo para pessoas que conheço que é muito mais fácil me conhecer pelo que escrevo do que pelo que falo. As palavras são o meu pincel, é através delas que uma pessoa relativa e subjetivamente difícil como eu consegue se expressar e tirar um pouco de mim de dentro de mim. 

No início falei sobre redes sociais e sobre as amizades provenientes delas e como eu sou uma pessoa relativamente difícil de interagir, de socializar, de se manter perto. Nem tudo isso é culpa minha, mas tudo isso faz parte do que sou e do que Saul Tenser é. 

No meu caso, uma coisa que escuto com certa frequência das pessoas que ficam – ou ao menos que querem ficar – na minha vida, é que elas, no início de nossa relação, se esforçaram para gostar de mim.

Isso é triste, mas eu sinto uma sensação estranha de alegria quando alguém se esforça e de fato fica, porque nesses casos eu tenho certeza que quando a relação acabar (e vai), que ela foi real e não artificial, que meu corpo é realidade, mas minha mente também e eu me sinto confortável em interagir perto dessas pessoas esforçadas em relação a mim, eu não me sinto como algo a se removido por uma máquina tal qual Caprice faz como performance, eu me sinto real, eu me sinto feliz quando estou com essas pessoas e não quando estou apenas comigo mesmo. 

Sinto falta do real e é muito difícil sentir essa falta em si mesmo quando se é alguém que é necessário um esforço para manter a relação, eu sinto falta de várias coisas que apenas relações com o outro podem suprir, eu gosto de ser eu mesmo com quem eu me sinto confortável em ser assim.

Mas, a grande verdade é: Tenser tem a Caprice e a maioria de nós não teremos a sorte de algo parecido. Inclusive eu, sou muito pessimista para pensar o contrário. Não me permito ser otimista nesses casos por puro e simples medo, sentimento superado por Tenser. As mãos dadas após uma performance dizem tudo, o sorriso dele para ela e vice-versa, o carinho, a alegria de dividir tudo mesmo em um mundo obscuro.

Não sou Saul Tenser, a arte para mim continua sendo a eterna busca pelo sentir e o insucesso em ser satisfeito pelo sentimento não compartilhado. Dito tudo isso (caso você, por algum milagre tenha chegado até aqui), o meu obrigado. Caso você que tenha lido, tenha se esforçado para gostar de mim e me manter na sua vida, eu não tenho como agradecer fora com o meu amor tímido e que faço o possível para expressar constantemente. 

A arte é um consumo inútil e uma forma de nos encararmos a nós mesmos em um desafio constante.

A amizade é uma forma de amor, o tempo é irrelevante aqui, caso você ame um amigo (sem nenhum envolvimento romântico), diga a ele, é importante.

Sempre buscamos o real, mesmo com o artificial e as redes sociais dominando tudo.

Corpo é uma realidade tão forte quanto os nossos sentimentos.

Cronenberg me fez pensar tudo isso e os Crimes of the future não são tão do futuro assim.

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