9/13/2022 09:00:00 PM

Não se preocupe, querida e o Sonho Americano

 

Não se preocupe, querida
Imagem: DIVULGAÇÃO

Em dado momento da história, os Estados Unidos da América criaram o termo “Sonho Americano”, que consistia em uma vida boa para todos e que todos merecem ter essa vida boa, com os Estados Unidos sendo, claro, o lugar ideal para tal vida. A terra da “Liberdade”, berço do capitalismo, se coloca em destaque dentro desse termo.

Com o passar dos anos, a publicidade fez uso disso, criando uma ilusão de vida perfeita que se baseava em uma casa própria, apenas o homem trabalha e a mulher fica em casa cuidando dos filhos, que, no cenário ideal, são um menino e uma menina, o menino sendo o mais velho. E com certeza essa é uma família branca.

 
Alice (Florence Pugh) e Jack (Harry Styles), são os protagonistas de “Não se preocupe, querida”. Ela, uma mulher branca, loira e ele um homem branco. O casal vive em uma cidade idílica onde ela cuida da casa e não trabalha, e ele trabalha todos os dias em um projeto que apenas os homens daquele local sabem o que é. Alice decide tentar descobrir o que é esse projeto e porque todo mundo ali é tão parecido.

Inicialmente, o filme de Olivia Wilde (em seu segundo longa), parece apenas uma obra de ficção cientifica, porém, é nítido que com o passar do tempo a diretora busca fazer um comentário sobre o sonho americano e a ideia de controle das minorias gerada pelo capitalismo.

“Há beleza no controle, existe graça na simetria”, diz Shelley (Gemma Chan) em certo momento do filme. Há todo o tempo em nossas vidas, somos levados a acreditar que somos livres e não somos controlados por ninguém, mas na verdade, tudo o que fazemos, felizmente ou infelizmente, faz parte de algum tipo de controle, pois caso contrário, não conseguiríamos viver em sociedade.

O principal controle é o dinheiro e precisamos dele para tudo, mesmo quando pensamos não precisar dele. Não à toa, uma das principais motivações dos homens no filme é justamente o dinheiro que eles ganham naquele trabalho. O aspecto financeiro da vida é uma ferramenta, tanto de suposta liberdade quanto de alienação e obrigatoriedade de trabalhar para conseguir viver.

Esse controle, que vemos no filme, parte do dinheiro, mas principalmente – o ponto que Wilde mais aborda – da alienação e do não contar para sua esposa o que você faz. Esse é um dos vários tipos de abusos que vemos ao longo da obra e que o Sonho Americano, de maneira mais ou menos indireta, prega. Pois se só o homem tem vida, significa que ele controla as pessoas que vivem com ele, usando para isso não apenas o físico – homens altos e bem vestidos, como no filme – mas também o financeiro, se só uma pessoa paga a conta, as outras inevitavelmente dependem desse provedor para viver.

Jack é o provedor de Alice e ele usa isso para controlar a esposa de maneira mais ou menos discreta. Com uma rotina muito bem estabelecida em todas aquelas casas, vemos como as mulheres naquele mundo e no sonho americano são objetos. Sempre bonitas, bem arrumadas, magras e dispostas para todo tipo de relação, principalmente a sexual. Ali, os homens têm a vida e as mulheres assistem eles vivendo.

Da mesma forma que a ideia americana de sucesso quer que as pessoas façam. Claro, tudo é uma farsa e é possível perceber isso na homogeneidade das coisas, por que tudo é igual e as pessoas envolvidas nessa ideia tem mais ou menos a mesma origem? Nascidos e criados em cidades grandes, viajam para os mesmos lugares, vivem as mesmas coisas. Nada é igual quando falamos de social, mas o capitalismo pregado por essa ideia quer que tudo seja idêntico.

Pois assim, é mais fácil controlar as pessoas. Controlar algo homogêneo é muito menos trabalhoso do que controlar o heterogêneo. Sempre terá alguém que manda e que trabalha a ideia de controle nos outros, no caso de Alice, Jack, no caso de Jack, Frank (Chris Pine), o criador de todo aquele universo, o homem que manda em tudo ali.

Ele quer que as pessoas sejam iguais, se comportem e até se vistam com estilos idênticos. “Quem escolhe a nossa comida? O que vestimos?” diz Alice em certo momento, tentando convencer as pessoas ao seu redor de que estão vivendo uma simulação e de que tudo aquilo é uma falsa simetria chamada de vida.

Alice quis quebrar o ciclo e ela é capaz disso, a questão foi que ela se esqueceu de que era capaz, devido aos abusos de Jack e aos pensamentos que Frank coloca em todos ali, através do que é dito por ele na transmissão via rádio que é ouvida em todas as casas por aquelas mulheres, através das músicas que ele escolhe tocar nessa transmissão. As ferramentas para a alienação estão todas ali e claro, todas estão presentes e são usadas em nós em nossas vidas, o tempo todo.

A questão, no nosso caso, é se enxergamos a farsa, a simulação. Somos capazes de perceber que somos controlados e escolhemos aceitar isso mesmos conscientes, para conseguirmos viver em paz? Em muitos casos, a resposta é sim, porque simplesmente não temos outra opção. Alice apenas queria o direito de escolher e assim como ocorre com várias pessoas, isso foi tirado dela. 

O sonho americano é uma simulação que te dá a ilusão de que você tem escolha, ou seja, é mais uma ferramenta do capitalismo e Wilde usou o cinema, que também é uma ferramenta do sistema, para nos dizer isso. É um filme perfeito? Não, tem vários problemas (concentrados na atuação de Harry Styles, que como ator é ótimo cantor). Mas “Não se preocupe, querida” tem muito para falar e para fazer pensar.

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