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Logo no início de “Regra 34”, em um diálogo de Simone, protagonista do filme e uma amiga, via videochamada, é dito que é necessário ressignificar certos símbolos históricos, devido a sociedade que vivemos, deveríamos refazer algumas coisas de maneira a mudar esses símbolos.
O diálogo é sobre uma prática de BDSM, Simone é uma mulher
negra, advogada que acabou de ser aprovada na prova de defensoria pública, e
que faz lives realizando algumas práticas sexuais como maneira de completar a
renda. A pessoa que disse isso da ressignificação a ela é uma mulher branca e
alguém branco falando o que alguém preto deve fazer é algo frequente nas 1h40 do
filme dirigido e escrito por Júlia Murat.
Além de ser algo frequente, é algo que incomoda devido a essa frequência, pois muitas vezes no filme, não há desenvolvimento da história de Simone, mas sim, há pessoas brancas falando para ela o que ela deve ou não fazer, e é isso que é o motor da obra, não a história de sua personagem principal.
Eu enxergo isso como um processo de expiação. Não de Simone,
que escuta as “ordens” e muitas vezes discorda, mas também as faz depois de um
tempo, mas sim, das pessoas ao redor dela, que parecem dizer tudo aquilo como
uma maneira de ajudar a amiga, mas na verdade, eles falam aquilo apenas para
expressar o que pensam sobre as pessoas no geral.
Ficamos vendo, o tempo todo, essa tentativa de "purificação" da
protagonista e gradualmente, vendo ela aceitar aquilo de forma mais ou menos
inconsciente, em alguns casos porque ela de fato quer, em outros casos, devido
o ciclo de pessoas ao seu redor, já que a maioria delas são pessoas brancas e
não um branco que deseja melhorar a si mesmo no que diz respeito ao entender
questões raciais, mas sim, um branco que deseja melhorar o negro, “purifica-lo”,
até que ele fique do jeito considerado “ideal”.
Esse tipo de coisa reforça não apenas o liberalismo
disfarçado de progressismo, muito comum hoje em dia, mas ele reforça o
capitalismo como sistema, porque é interessante para o mantenimento do status
quo que as pessoas brancas mandem nas outras, seja de forma escancarada, ou de
forma passivo agressiva.
Então, o processo de expiação é algo muito europeizado, pois
como a Europa é o berço do capitalismo, é de certa maneira natural que isso
ocorra lá e que se espalhe com certa organicidade para outras pessoas brancas
ao redor do globo. A principal forma de dominação do outro é aos poucos
diminuir a sua identidade e tirar o que faz de você, você.
Por isso não me surpreende “Regra 34” ter sido premiado na
Europa, pois esse é o tipo de coisa que membros da elite, ou ao menos de classe
média alta, que tem acesso aos grandes festivais do mundo, quer ver. Para eles,
esse processo é o que deve ser feito e muitas vezes isso é inconsciente neles e
devido a essa inconsciência, é que essa expiação é passivo agressiva e gradual,
nunca direta.
Se fosse algo direto, seria de fácil identificação para a pessoa que eles estão tentando mudar e ver um filme como esse, onde diversas pessoas brancas, em esferas diferentes, acabam por conseguir com que Simone, na grande maioria das vezes, faça o que eles querem, é algo que me deixa profundamente chateado, pois isso nunca foi ou deveria ter sido aceito, mas em pleno 2022, tentar mudar pessoas negras e reforçar uma prática de um sistema dominante e excludente? É, precisamos de uma regra que impeça isso.
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