10/24/2022 06:03:00 PM

Mostra 2022: Terceira Guerra Mundial

Imagem: DIVULGAÇÃO

Em dado momento de “Terceira Guerra Mundial”, o público se flagra pensando se aquela situação pode ou não acontecer na vida real. A resposta é que já acontece, pois o que Shakib passa durante as 2h00 de filme não é exatamente inédito, é apenas ignorado por boa parte das pessoas, para que consigam viver com sua própria inércia.

Dirigido por Houman Seyyedi, acompanhamos Shakib, um homem que deixa a mulher pelo qual é apaixonado para ir trabalhar de figurante em um filme sobre nazismo. Após chegar no local, o diretor o vê e decide que ele, um não ator, interpretará o papel de Hitler. Sem opção, Shakib precisa aceitar o papel, ao mesmo tempo em que lida com dívidas.

De certa forma, Seyyedi constrói um panorama do cinema iraniano, pois é muito comum no cinema desse país o uso de não atores e os filmes serem feitos em locações e não em estúdios. Mas, mais do que isso, vemos como o capitalismo afeta tudo, inclusive os filmes e as pessoas que o fazem, principalmente a equipe por trás das câmeras.

Por mais que o dizer “uma câmera na mão, uma ideia na cabeça” seja muito bonito, ele é muito romantizado. Fazer um filme exige planejamento com gastos e imprevistos, o que demanda dedicação e pessoas preparadas para tal. Ao vermos os bastidores do filme dentro do filme, percebemos como o funcionamento da arte não pode ser romantizado, ele precisa ser planejado.

Esse funcionamento também pode ser abusivo, já que Shakib em nenhum momento quis fazer parte daquele filme, o que o levou a ir para aquele local foi o dinheiro que era pago por diária, não a vontade de participar de algo, pois como ele mesmo diz, ele não sabe atuar, ele não é ator, porém, o diretor, de maneira idealista e egoísta, decidiu colocá-lo no filme sem pensar no que Shakib tinha dito.

O protagonista é ignorado muitas vezes, inclusive por Ladan, a mulher pela qual é apaixonado. Surda, ela vai até o set após ver, em uma chamada de vídeo, a casa onde hospedaram Shakib, para ficar lá com ele, mesmo sem poder fazer isso. O que prejudica o personagem principal de uma série de formas, mas principalmente, porque é aí que o capitalismo mostra como é puro ódio e ambição.

E se sobra algo desse ódio e ambição, é apenas mais ódio. A terceira guerra mundial de Shakib é o lidar com frustrações não geradas por um desejo dele, mas sim, construídas por um sistema baseado em desespero e frustração. Se em certas cenas, vemos as várias tomadas sendo filmadas, é porque o protagonista foi obrigado a fazer algo que não sabe e se vemos a crescente necessidade por dinheiro e o claro interesse da mulher nele, é porque o que era amor se tornou cilada.

Claro, isso não é motivo para descontar ódio nas pessoas que não tem a ver com isso, porém, é o que acontece em várias situações de nossas vidas e na de Shakib. Seyyedi monta esse ódio aos poucos, em cada grosseria do produtor, em cada exigência descabida de algum personagem, em cada pequena frustração do dia a dia, vemos como ele se torna (ou se mostra) aquilo que se é.

Em uma cena do filme dentro do filme, onde Shakib precisa bater em uma pessoa, o diretor fala para ele em particular, “imagine que você é casado e tem um filho. Alguém machuca seu filho, o que você faria?”, “eu não bateria na pessoa”, ele responde para, logo em seguida, a cena do filme dentro do filme mudar de um tapa, para um tiro que Shakib dá no personagem.

Ali foi uma pequena mostra, um símbolo, assim como o bracelete de Ladam em dado momento, de um sentimento que já existia devido a uma clara frustração anterior, que o diretor reforçou em um não ator. Mas, se a atuação era falsa, justamente por ser atuação, o sentimento de ódio que vemos em Shakib é real e infelizmente, é real em muitas pessoas não apenas devido ao capitalismo, mas porque, as vezes, pessoas odeiam as outras pessoas.

E assim, o ciclo de ódio pode ou não se completar e tem muitas guerras mundiais por aí, a do filme de Houman Seyyedi é apenas mais uma delas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Copyright © 2016 Assim falou Victor , Blogger