8/14/2023 05:16:00 PM

Crítica: Retratos Fantasmas

Retratos Fantasmas
Imagem: DIVULGAÇÃO / Vitrine Filmes / Cinemascópio

Ao assistir "Retratos Fantasmas" tive duas lembranças que deram vazão a várias outras durante as 1h33 do novo filme de Kleber Mendonça Filho. O filme conta a história do próprio diretor (parte dela) e como a história dele e da mãe se misturaram, em parte, com a história dos cinemas em Recife, cinemas atualmente fechados ou inexistentes.

A primeira lembrança que tive foram dos inúmeros passeios que eu e meu pai demos pelas ruas do centro antigo, durante a noite, em São Paulo, cidade onde eu sempre morei e onde meu pai mora desde pré-adolescente.


Meu pai sempre gostou daqui e ele viveu muito nos cinemas, bares e outros estabelecimentos do centro antigo de São Paulo. Ele me contava as histórias dele, quando jovem e como naqueles lugares, hoje fechados ou inexistentes, ele foi feliz. 

Eu lembro de todas elas, por mais que esses lugares tenham se tornado fantasmas na cidade, parece que eu os vejo quando vou ao centro antigo e escuto a voz dele me contando as histórias.

Assim como escutei a voz de Kleber Mendonça Filho contando suas próprias histórias e como o lugar onde vive faz parte da sua vida. Da mesma forma que meu pai, ele também gosta da cidade onde vive e tudo o que construiu está ali.

Lembro dos cinemas que meu pai disse que assistiu ao primeiro Exterminador do Futuro ou algum 007. Lembro dele me falar do ponto de ônibus onde esperava para voltar para casa e "Retratos Fantasmas" da mesma maneira que trouxe essa nostalgia a mim, deve ter trazido a Kleber Mendonça Filho enquanto ele fazia o filme. 

Por mais que tenha me transportado a esses momentos, não sei se gostei de "Retratos Fantasmas" pela lembrança que me trouxe ou devido ao filme em si e por isso, fico com um sentimento meio dúbio e pensando em certas coisas.

Eu acho que toda forma de arte é algo onde você, consciente ou não, conta a sua própria história. O se colocar no trabalho é o que, para mim, faz a arte ser arte e faz toda ficção ser um documentário com toques semibiograficos.

Mas não sei até onde se colocar na história faz do filme (ou qualquer forma de arte) ser um grande filme. Há uma linha tênue entre se colocar no seu trabalho e ser autoindulgente. Não acho que Kleber Mendonça Filho quebra essa linha em "Retratos Fantasmas", mas acho que talvez muitas pessoas pensem que ele fez isso.

Até porque, é a história de um homem (com os privilégios que sua cor traz) morando sempre em um bom bairro e com acesso constante ao cinema, que é uma arte elitista, por mais que insistam em dizer que não. Claro, não é nenhum crime ser assim, é apenas uma observação que acho importante fazer, principalmente ao pensar que eu e meu pai não temos esse privilegio racial. E isso me leva a segunda lembrança que tive ao assistir "Retratos Fantasmas".

Um dia, disse para uma amiga antiga (que não tenho mais contato) que vamos ao cinema buscar sentir aquilo que não sentimos sozinhos, como se fosse para preencher um vazio pessoal pelo tempo do filme (não lembro a aspa exata).

Fui ver "Retratos Fantasmas" assim como vou assistir a todo filme que me disponho a ver: para sentir algo que não sinto sozinho. E honestamente, assim como não sei se gostei ou não do filme, não sei se senti algo que não sinto sozinho, porque a nostalgia citada acima, é algo que me vem na cabeça com certa frequência.

Mas escolho não ficar com aquela cena horrível no uber como a lembrança principal de "Retratos Fantasmas", esse momento do filme me passou uma energia de querer mostrar que todo mundo é gente, algo característico em muitos grupos progressistas. Eu prefiro ficar com a nostalgia e com as lembranças dos passeios pela madrugada no centro antigo de São Paulo com meu pai.

Tanto para não ser injusto com o filme e com as pessoas que trabalharam nele, quanto porque foi bom, pelo menos por um tempo, relembrar de uma época onde eu conheci São Paulo, a cidade que nunca gostei de estar, pelos olhos e voz do meu pai, que me contava as histórias dele, quando jovem enquanto dirigia em noites amenas. 

Mesmo eu não falando muito e nem sendo expansivo (nunca fui de falar demais), dava para perceber que ele pouco se importava (como ainda não se importa), ele só precisava saber que eu estava ali, ouvindo ele contar histórias de um período feliz para ele.

Essas histórias nunca se tornarão fantasmas dentro de mim e eu apenas gosto da São Paulo que conheci pelos olhos e voz do meu pai. 

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