Imagem: Mubi/DIVULGAÇÃO |
Em dado momento de “Priscilla”, novo filme de Sofia Coppola, Priscilla Beaulieu (antes de ter o famoso sobrenome “Presley”) chega à casa do então namorado. O cômodo onde ela está é branco e alto, ela está de branco, mas é pequena, como se estivesse sendo engolida por todo aquele ambiente, aquela vida.
Essa opulência é algo que Sofia Coppola usa para contar a história da esposa de Elvis Presley (Jacob Elordi). Ela é interpretada por Cailee Spaeny na versão da diretora. Por ser uma mulher de 1,55 de altura, a Priscilla de Spaeny sempre parece ser dominada por coisas que são maiores, fisicamente, do que ela.
Isso acontece em uma estrutura de um filme clássico de romance: garoto conhece garota, eles se apaixonam, namoram, se casam, tem filhos, tem problemas. Mas Coppola usa isso para subverter o romance e fazer duas coisas: focar em sua protagonista e lembrar o espectador que Priscilla era uma menina.
Não apenas em idade (ela tinha 15 anos quando conheceu Elvis), mas também em comportamento. Se em uma noite ela estava em uma festa luxuosa em Las Vegas, no outro dia, ela estava na escola. Se em um dia ela estava se preocupando com estar sendo traída ou não, no outro dia, ela estava fazendo lição de casa e estudando para a prova do dia seguinte.
Na escola, ela era uma menina comum, invisível para todos, como Coppola faz questão de mostrar fazendo Priscilla parecer não oprimida pelo ambiente e pelas pessoas que fazem parte dele, as cores são sóbrias, os locais têm um tamanho comum, as cenas são até mais escuras, a trilha é diegética.
Mas em Graceland, tudo é dominado por Elvis, que Coppola constrói primeiro de maneira ao cantor ser um homem que usa da manipulação de maneira passivo agressiva, “você não fica bem com estampas, fica bem com cores sólidas”, para com o avançar do filme, revelá-lo como alguém agressivo de fato.
Descobrimos isso ao mesmo tempo, em que Priscilla descobre isso e é aí que vem o choque. Claro, o espectador sabe mais ou menos o que aconteceu, mas não deixa de ser chocante quando acontece, Coppola constrói a ordem dos acontecimentos de maneira que o público sinta isso de forma similar ao que Priscilla sentiu.
Talvez nesse ponto do sentir, do choque, tanto a trilha, quanto a estrutura de romance (essa já citada acima) sejam importantes. A trilha, que tem algumas músicas instrumentais, mas é predominante de sons do ambiente, faz com que a voz grave de Elvis domine o espaço da cena, o que é mais uma forma de dominação e opulência em relação à Priscilla e a estrutura é preenchida pelas músicas e pelos arranjos dela, como exemplo, a cena onde toca “I will always love you” na voz de Dolly Parton.
Em “Priscilla” é a estrutura que quebra o romance, faz com que nós acreditemos que aquele relacionamento vai dar certo, para aí, com a rotina da protagonista, nos lembremos da idade dela e com a idade dela, nos lembremos que aquele relacionamento não poderia nem ter começado, quem dirá ter durado o tempo que durou.
Vemos na Priscilla de Spaeny uma mulher que muitas vezes ficou quieta por medo do que Elvis poderia fazer, mas uma pessoa cheia de vontades e a maioria delas nunca foi realizada devido ao relacionamento, porém, ainda bem que (isso não é spoiler) ela conseguiu sair disso, dessa dominância imposta a ela por tanto tempo.
E ainda bem que Sofia Coppola soube retratar as várias nuances e complexidades da ex-esposa de um dos músicos mais famosos da história, é surpreendente como o retrato mais fiel de Elvis e da fama dele, venha justamente em um filme sobre Priscilla e não no filme sobre ele. Surpreendente e bom, pois em um filme vemos algo idealizado e no outro vemos o que ele é e ninguém melhor para contar ao público quem ele era, do que Priscilla.
Também surpreende o fato que entre um pé direito imenso e outro, a Priscilla construída por Coppola e Spaeny não se rende ao alívio de uma vida luxuosa e prefere arriscar. Risco de se separar da filha, risco de uma reação agressiva de Elvis, risco de não conseguir coisas caras e mínimas a qualquer pessoa.
Mais dominante ainda é o talento de Sofia Coppola, que faz de Priscilla um filme biográfico, mas também sobre manipulação, que subverte o romance clássico e traz a vida uma personagem muito interessante.
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