11/27/2017 02:26:00 PM

Crítica: “Mudbound” e a soberba da técnica

Mudbound
Imagem: Netflix
Poucos filmes conseguem unir ideologias, na maioria das vezes temos obras que ou mostram um lado, de uma forma extremamente detalhada, ou temos o oposto, um outro lado, de maneira detalhada e bem contada.

Em projeções que abordam as matrizes populacionais formadoras da sociedade, essa ferramenta unitária é comum, e não é um erro, mas o cinema como arte sente falta de um filme que consiga, usando as ferramentas de maneira igual, abordar os dois opostos, de maneira que um complemente o outro, porém entendendo que os prejudicados são aqueles considerados minoria, ou ao menos, minorias qualitativas de acordo com um opressor.



“Mudbound – Lágrimas sobre o Mississipi” é exatamente isso, uma obra que usa exclusivamente das ferramentas fílmicas para abordar os dois lados, fazendo isso de maneira detalhada visualmente e psicologicamente, entende que os prejudicados foram as minorias (no caso da obra, o foco são os negros) devido a um opressor agindo de maneira preconceituosa.

Dirigida por Dee Rees, a obra conta a história de duas famílias que moram no mesmo terreno rural próximo ao delta do rio Missisippi. A família McAllan, branca, é formada por Henry, o filho mais velho interpretado por Jason Clarke, Laura, a esposa dele (representada por Carey Mulligan), Pappy, o pai (Jonathan Banks, o Mike das séries televisivas Breaking Bad e Better Call Saul) e Jamie, o filho mais novo (Garrett Hedlund) e a família Jackson, formada por Florence (Mary J.Blige) a mãe, os filhos Marlon, Lilly May e Ronsel (Frankie Smith, Kennedy Derosin e Jason Mitchell respectivamente) e Hap Jackson (Rob Morgan). As histórias das duas famílias se cruzam quando os McAllan se mudam para a fazenda onde os Jackson são arrendatários do terreno, para pagar o aluguel, os Jackson passam a trabalhar para os novos locatários.

O filme utiliza de todas os artifícios para ilustrar sua história, porém, os principais são a fotografia, a montagem e as atuações, que juntas conseguem expor vários pontos de vista e como os dois lados, as duas famílias, são totalmente opostas uma da outra, sem nenhum ponto em comum.

A montagem é o que mais chama a atenção, pois o filme não tem um personagem principal graças a ela, através dos cortes fluidos e das passagens de uma cena para outra, vemos como o tempo passa e como a sociedade muda com o fim da segunda guerra mundial. E os pontos de vista expostos em narrações em off muito bem escritas, fazem o público perceber por qual personagem a diretora Rees deseja que enxerguemos a ação e o fato de o único personagem primário que não tem uma narração em off ser o Pappy, mostra que é claramente o vilão mais escancarado da história, mas, ainda assim, existem outros.

Em relação as atuações, temos um show de um elenco competente e que sabe exatamente o que fazer com cada fala, destaco três membros da equipe, Carey Mulligan está em uma das melhores atuações da carreira como Laura, passando força e vontade de ser independente, e principalmente, o sucesso gradual nessa independência. Jason Mitchell como Ronsel, o filho mais velho dos Jackson, mostra como é difícil ser o que é em uma sociedade em que o opressor é aplaudido e o oprimido é reprimido, fora que as cenas entre ele e Jamie (Hedlund) mostra como o trauma pós-guerra não é brincadeira, servindo até como referencia a “Os Melhores Anos de Nossas Vidas” de William Wyler, que no ano de 1946, já tratava desse assunto.

Mary J.Blige é soberba como Florence, dominante quando aparece na tela, atraindo toda a atenção para si, através de seu olhar forte para encarar a vida, olhar esse que muda quando ela está na presença da família, indo de força para afeto, e além disso, o amor que ela sente pelos filhos é comovente e quando esse sentimento é descrito por ela em uma das narrações em off, temos, talvez, uma das melhores cenas da narrativa.

Narrativa que usa da fotografia para expor como todos somos iguais, com um plano muito recorrente do nascer e por do sol alaranjados, mostrando esse sol com um personagem diferente a cada vez no quadro, seja de uma família ou de outra, de uma etnia ou de outra, de uma religião diferente, orientação sexual ou qualquer outro aspecto que nos faça ser nós mesmos, o sol nasce e se põe igual para todo mundo.

“Mudbound – Lagrimas sobre o Mississipi” é um desses filmes que fica na cabeça mesmo depois de muito tempo que o assistimos. Uma obra bela, tocante, cruel e necessária, para percebemos o retrocesso de uma sociedade que apenas tende a piorar. 

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