Imagem: Netflix / Divulgação |
Andrei Tarkovski era um diretor um tanto quanto ousado,
mesmo para os moldes atuais da indústria cinematográfica. Ao filmar suas duas
ficções cientificas, “Stalker” no ano de 1979 e “Solaris” no ano de 1972, ele
trouxe uma nova forma de fazer filmes desse gênero, sendo inovador na estrutura
e no roteiro destes.
Talvez, Alex Garland (do ótimo “Ex Machina”) tenha se inspirado
em Tarkovski para filmar “Aniquilação”, pois o filme traz uma atmosfera similar
a de “Solaris”, com um estilo de contar a história parecido com o de “Stalker”.
Porém, a obra de 2018 contém simbolismos atuais e se encaixa na época moderna.
Lena (interpretada por Natalie Portman), é uma ex integrante
do exército, bióloga e atualmente professora no curso de medicina em uma
universidade. Após o marido desta desaparecer em uma missão altamente
confidencial, ela parte para uma área isolada dentro do próprio Estados Unidos
da América, com o objetivo de investigar O Brilho, que é um outro planeta (se é
que se pode dizer isso), todo formado por fauna e flora, que está aos poucos
tomando o espaço da Terra.
No fim dessa sinopse já percebemos um simbolismo claro do
filme, pode-se definir que o Brilho está ali para fazer a Terra ser o que era
antes, ou seja, predominantemente natural, sem a influencia do homem, passando
uma mensagem de sustentabilidade, conservação do meio ambiente e assim como “mãe!”
de luta contra o aquecimento global.
Mas, mais do que isso, a projeção é uma mensagem em relação
aos maus psicológicos (depressão, crise de ansiedade e outros). Até porque, a
obra trata o tempo de destruição e enlouquecimento causados pelo ser humano,
seja para atingir o outro ou para atingir a si mesmo, para isso, basta reparar
no passado das mulheres companheiras de equipe de Lena, todas ali passaram por
algo muito ruim ou devido a serem neuroatipicas, se infligiram algo muito ruim de forma não proposital, claro.
Além disso, as mutações da fauna e flora do Brilho também
podem ser entendidas como simbolismos para o citado no parágrafo acima, porque
elas variam de acordo com o estado das personagens. No inicio do filme, as mutações
remetem a vida, como as flores variadas, mas com a mesma estrutura e o jacaré,
com o decorrer da obra, tudo muda e vai remetendo a morte ou falta de vida, como,
por exemplo, o urso que ataca as protagonistas, as plantas que crescem de
acordo com a anatomia humana e as arvores de cristais perto do farol.
Farol que remete claramente a “Zona” do filme de Tarkovski
de 1979, um lugar que fisicamente está ali, mas que não serve para ser encontrado
e sim para o personagem, ao descobrir sua existência física, se dar conta do
peso psicológico representado pelo local. A atmosfera de mistério do filme,
lembra “Solaris”, não apenas pelo mistério envolvido pelo Brilho, mas também
pela maneira de desvendar, ou tentar desvendar, o mistério em questão.
E o desvendar ou não sem dúvida passa pela personagem de
Natalie Portman. Criada com imensa complexidade pela atriz, nunca descobrimos o
que Lena está pensando, a não ser que a própria exponha, além disso, com
exceção de seu currículo, formação acadêmica e pela morte do marido, não
sabemos quem é Lena, e isso é intencional, pois a obra se trata de uma jornada
de autodescoberta, e a riqueza do roteiro está em descobrimos junto com a
protagonista quem ela é.
Estruturalmente falando, o filme ao usar três linhas
temporais distintas, passado (vida dela com o marido), presente e futuro,
poderia facilmente se confundir e por consequência, confundir o público, porém,
não é isso que acontece, todas as cenas acontecem em um tempo claro e bem definido,
graças aos cortes a delimitação foi bem-feita e não há confusão.
A fotografia é algo interessante, se nas cenas passadas em
ambientes considerados urbanos, como interiores de prédios e as próprias metrópoles são escuras, predominantemente na cor cinza,
as cenas externas, no caso, aquelas acontecidas no Brilho, são claras e com um
tom de luz um pouco acima do comum, esse ultimo aspecto serve para deixar o
brilho do lugar onde Lena passa a maior parte do tempo.
Rico tematicamente, ousado nos simbolismos e na história, “Aniquilação”
é muito mais do que apenas esse título. É um filme que mostra ineditismo em um gênero
que vem se renovando, representatividade ao focar em mulheres e complexidade, não
apenas por não dar nada de graça ao público, mas por apostar na inteligência dele
para a obra funcionar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário