Imagem: IMOVISION / Divulgação |
Nos últimos anos, o cinema nacional tem sido prolífico ao fazer
grandes filmes com críticas sociais pertinentes a atualidade. Se esse tipo de
produção já é corajosa em tempos “de paz”, na situação de hoje, obras assim se
tornam atos de protesto, com fins didáticos e claro, políticos.
Levando em consideração a trajetória de vida da diretora
Lúcia Murat, presa política, torturada na época da ditadura civil militar, esse
cinema de protesto é esperado, mas, a forma como ela faz seus filmes
surpreende, pelas inovações sempre inseridas nas histórias e ou gêneros fílmicos.
“Praça Paris” é um filme que faz o público pensar, pelo seu início,
que será apenas mais uma crítica social pertinente, usando a relação entre duas
mulheres, uma branca, rica, terapeuta e portuguesa, outra negra, periférica,
ascensorista e brasileira. Mas, a obra acaba por ser um thriller de suspense
com tensão a todo momento, ao mesmo tempo em que a crítica esperada é feita.
Gloria (Grace Passô) é uma mulher que vive no morro da
providencia no Rio, ela começa a ir em sessões de terapia, nas quais é atendida
por Camila (Joana de Verona). Nas sessões e na vida de Gloria, descobrimos que
ela sofreu abusos do pai, que o irmão dela está preso e ela lhe faz visitas
regulares.
A obra usa a montagem para criar tensão e expor críticas
sociais relevantes, principalmente sobre o sentimento de medo que atingiu a
classe média e a faz se mexer, adotando politicas um tanto quanto incomuns –
vide a atual situação no Rio de Janeiro. Junto a isso, o desenvolvimento da
relação entre as duas personagens é realizado e aprofundado graças a um roteiro
excelente que trabalha bem esse relacionamento junto com o suspense.
Em relação a montagem, os cortes são feitos de forma a
mostrar o choque de realidades entre uma mulher e outra, assim, o uso predominante,
com exceção das cenas onde elas estão juntas, é o da montagem alternada, mostrando
ora a vida de uma, ora a de outra e as respectivas diferenças nas rotinas, uma
mora bem, ganha bem e tem tempo para lazer, a outra, mora na comunidade, ganha
um salário mínimo e não tem tempo para nada, devido ao irmão.
Mas, também devido a busca por uma relação duradoura, onde
ela possa se apoiar, porém, ela é oprimida em suas tentativas, o irmão dela,
apesar de querer protegê-la, acaba sendo cruel, como a própria Gloria diz “ele
não nasceu ruim não, doutora, ele ficou ruim”, na igreja, ela não encontra as
respostas que deseja na palavra de Deus, na terapia, a doutora, apesar das boas
intenções, acaba oprimindo-a por agir com inocência em relação aos
acontecimentos violentos nos morros e também por perpetuar o racismo com certas
atitudes.
Atitudes essas que são fruto do medo, sentimento gerado
devido à violência relatada pela paciente e pela mídia, assim, um momento assustada, Camila
não consegue mais se desvencilhar e ter a empatia necessária para viver e ser inclusiva
com pessoas não pertencentes a mesma classe econômica que ela.
Esse aprofundamento só é possível pelas grandes atuações de
Grace Passô e Joana de Oliveira, duas atrizes fortes, dominantes na tela e que
não desaparecem quando juntas no mesmo quadro, vide a brilhante cena do
elevador e uma outra que acontece no apartamento de Camila.
As duas cenas citadas representam, de forma sintetizada o
medo citado mais acima, esse sentimento é a grande força motriz do atual
cenário político brasileiro e uma questão importante nas questões sociais. Caso
não superemos esse medo, não conseguiremos nos unir e nos engajar corretamente em
assuntos importantes para a vida.
Camila não conseguiu, como prova aquele belo plano final,
não sabemos o que aconteceu com a personagem, e isso não é um problema, pois o
que “Praça Paris” mostra é que nunca saberemos o que vai acontecer, a não ser
que nos movamos para isso, seja lá em que assunto for.
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