2/21/2019 12:00:00 AM

Crítica: Se a rua Beale falasse

Se a rua Beale falasse
Imagem: DIVULGAÇÃO / Sony Pictures
Se a rua Beale falasse, provavelmente ela diria que Barry Jenkins é um diretor sensível como poucos são e que usa essa sensibilidade para fundamentar a seriedade dos assuntos que são abordados em seus filmes, usando esses dois pontos para passar uma mensagem para o espectador.

Logo, não é surpresa nenhuma que “Se a rua Beale falasse” seja exatamente isso, sensível, sério e forte, passando uma mensagem sobre realidade usando todos esses adjetivos e contando uma história que apesar da dramaticidade envolvida, é muito real em vários cotidianos.

Também escrito pelo diretor, a projeção é uma adaptação do livro de mesmo nome de James Baldwin e conta a história de Tish (Kiki Layne), jovem mulher que vive no Harlem com seu pai, Joseph (Colman Domingo), irmã, Ernestine (Teyonah Parris) e mãe, Sharon (Regina King). Namorada de Alonso “Fonny” Hunt (Stephan James), de quem está grávida, ela precisa tira-lo da prisão, pois ele está lá devido a uma acusação falsa.

É notável como Jenkins usa da música, da montagem e das atuações de seu elenco, para construir a história que deseja, através da justaposição dos fatos – relacionamento do casal antes da prisão e o presente – e do roteiro bem escrito, para expor as questões sistemáticas e estruturais do racismo.

O ambiente também é bem construído, principalmente no que diz respeito ao aspecto visual, o que ajuda na composição do plano, já que graças a essa boa construção, fica fácil Jenkins construir os quadros que deseja, sejam aqueles cheios de pessoas, ou aqueles em que apenas a silhueta do casal principal é visível.

A montagem, como dito, é toda feita a partir de duas linhas temporais. A primeira é a do passado, onde é mostrado como o relacionamento dos dois foi construído e como isso é essencial para que entendamos como a luta de Tish não é apenas para tirar o pai do seu filho da prisão, mas também para tirar alguém que faz parte dela e que a formou como pessoa de dentro de um lugar horrível.

Em compensação, na segunda linha, acompanhamos a luta propriamente dita para tirar Fonny da cadeia, ou seja, o contato com o advogado, as questões que envolvem Victoria, que foi a pessoa que disse que o rapaz tinha cometido o crime e claro, a gravidez de Tish e o relacionamento desta com sua família, principalmente com a mãe.

Para organizar essas linhas temporais, Jenkins não usa apenas os cortes e movimentos de câmera para realizar a transição, ele também usa a música, que um dos personagens – em geral, Fonny ou Tish – escutam, de modo que nos aproximemos da rotina dos dois antes do fato que dá origem a nova jornada da moça, ou seja, jazz clássico como Miles Davis, John Coltrane e Nina Simone, apenas para citar exemplos.

Isso, assim como a narração em off de Tish, ajuda a criar a comoção necessária, em um público que já não empatiza com a situação logo de cara, ou seja, Jenkins usa de pessoas negras bem-sucedidas para construir parte do sentimento que o espectador tem pelo casal.

Porque a outra parte desse sentimento se deve as atuações, principalmente de Layne e James, que demonstram como amar é não apenas difícil, como complexo e pode ser uma questão identitária, já que eles faziam parte um do outro mesmo antes de se envolverem romanticamente, ou seja, como pessoas próprias, ideologicamente falando, eles formaram um ao outro, por isso a prisão dele não é apenas a dele, é a dela também, como a própria diz logo no começo, “espero que ninguém jamais tenha olhado para alguém que ama através de um vidro”.

Sendo que, claro, o vidro é o da sala de visitas da prisão, mas pode ser considerado também um espelho, já que os dois são tão apaixonados que eles se refletem entre si e assim, o fato de ela estar grávida é como se fosse uma síntese da relação dos dois.

Por isso que a montagem, ao mostrar essas duas linhas temporais, faz a sensibilidade do filme ser maior do que a de filmes do mesmo gênero, pois cria essa nova temática de amor, isso tudo, claro, dentro da adaptação que Jenkins realiza de uma obra literária.

Não posso esquecer de falar da performance de Regina King, que sendo uma coadjuvante de fato dentro da obra, faz um trabalho que permite a sua companheira de cena, Kiki Layne, brilhar como merece. King nos oferece uma atuação sensível assim como o filme, com o adicional que ela é uma mãe que vê a filha lutar do jeito que luta e na maioria das vezes pode fazer apenas isso, ver.

Também é importante destacar que tudo isso, inclusive a montagem, estão perfeitamente alinhados com o roteiro de Jenkins, que é inteligente ao estabelecer os aspectos estruturais do filme desde o começo das suas duas horas de duração, tempo ideal para a projeção.

Logo, “Se a rua Beale falasse” é um filme inteligente tecnicamente, coeso em sua edição, assim como ousado na construção de ambiente e claro, sensível como as obras de Barry Jenkins costumam ser, a sensibilidade e a humanidade que ele insere em seus filmes é tocante.

Veja o trailer do filme, distribuído pela Sony Pictures, aqui: 



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