Conflito Mortal, dirigido por Wong Kar-Wai |
Esse texto faz parte de uma série sobre cinema de Taiwan e cinema de Hong Kong, escrita em conjunto com Paulo Campos. O texto escrito por Paulo Campos, sobre a história de Hong Kong, pode ser lido aqui.
Não é possível falar do cinema de Hong Kong sem falar dos
filmes de ação e comédia (muitas vezes juntos). O sucesso desses filmes nas
bilheterias foi o que levou o cinema de HK ao sucesso de público, o que gerou,
por sua vez, uma certa busca por identidade nos jovens diretores e isso, unido
a reunificação de HK a China, que já estava confirmada, é algo importante para
a indústria.
Se não fossem nomes como Bruce Lee, Yuen Woo-Ping, John Woo,
o estúdio Shaw Brothers, Chow Yun-Fat e Jackie Chan, nomes como Wong Kar-Wai,
Stanley Kwan e Ann Hui, nunca haveriam surgido e não teriam tido a importância
que tem no cinema como um todo.
Digo isso porque, assim como em qualquer lugar, o cinema precisa de público. No Brasil, tivemos as pornochanchadas, em HK, tivemos os filmes de comédia e ação de Wong Jing, Johnnie To e os nomes citados acima. De maneira que uma coisa liga a outra de forma natural.
Um dos principais filmes dessa época e talvez a obra que
tenha gerado uma mudança significativa em como os filmes eram tratados em HK
foi Police Story, dirigido e estrelado por Jackie Chan. Nele, vemos um filme de
ação que tem como objetivo principal entreter, mas que gera inspirações para
avanços na linguagem. Police Story, junto com A Better Tomorrow, dirigido por John
Woo, podem ter ajudado, de maneira inconsciente, Wong Kar-Wai a ter feito
“Conflito Mortal”, seu primeiro longa, que é um filme de ação.
É mais, digamos, “estilizado” que muitos filmes de ação,
mas, é um filme essencialmente de ação e o exemplo perfeito de como dois
gêneros considerados diferentes por muitas pessoas tem várias coisas em comum. Drama
e ação, assim como comédia e ação, como dito no começo desse texto, eram
aliados ao levar o público para o cinema.
O nome de Kar-Wai é recorrente e não é à toa, é com seus
dramas que muitos dos cineastas modernos e em atividade conheceram o cinema
asiático e de Hong Kong em si. Junto com os filmes de ação, muitos deles
viraram refilmagens feitas por diretores estadunidenses, Kar-Wai emplaca
sucessos que inspiram diretores como Barry Jenkins em Moonlight.
Center Stage, dirigido por Stanley Kwan - DIVULGAÇÃO |
busca por identidade no cinema de Kar-Wai, Hui e Kwan, pode
ter sido o fator que proporcionou uma certa popularização recente nos filmes de
HK. O mundo vive um momento cuja juventude se encontra confusa e é muito
parecido com aquela juventude que viveu a reunificação de HK a China em 97.
Essa juventude, retratada em Comrades – Almost a Love Story
é um grupo que luta por sobrevivência diária, mesmo que não saiba exatamente o
motivo final pelo qual luta. Em meio ao capitalismo e, principalmente, ao
liberalismo presente na sociedade e cada vez mais forte nos governos vigentes,
a confusão na própria identidade é algo que caso não acontecesse, seria
estranho.
“Center Stage” de Stanley Kwan e “Song of the Exile” de Ann
Hui, também tratam essa busca por um desconhecido em meio a uma confusão
social. O filme de Kwan, que possivelmente é a maior atuação da carreira de
Maggie Cheung (uma das maiores estrelas do cinema de HK) trabalha essa jornada pelo
que se é de maneira metalinguística.
Isso porque é um filme que fala sobre cinema e conta a
história de uma das primeiras estrelas do cinema asiático, Ruan Lingyu. Em
Center Stage, vemos como as carreiras de Cheung e Lingyu são parecidas e como,
principalmente, ambas as atrizes e até mesmo o próprio diretor, estavam em
busca de uma identidade própria e a procurava dentro dos filmes que faziam.
Nem Cheung, nem Lingyu, conseguiram ter sucesso em sua busca enquanto faziam filmes de ação e comédia, mas ambas conseguiram atingir seus objetivos no drama, ou seja, é possível, mesmo numa época de confusão social e pessoal, encontrar algo no qual se apoiar.
Song of the exile, dirigido por Ann Hui - DIVULGAÇÃO |
Também estrelado por Maggie Cheung, mas um ano depois, “Songof the exile” é a jornada por identidade da própria diretora, Ann Hui, que
conta sua própria história no filme que talvez seja o mais rico de uma
filmografia extremamente autoral e interessante.
Nele, vemos o crescimento da própria Hui (interpretada por
Cheung) e quando esta descobre o motivo de sua mãe levar tão a sério a tradição
chinesa – que pode até ser considerada mundial por um tempo – do casamento
obrigatório para as filhas. O motivo é que sua mãe uma mulher japonesa, casou-se
com seu pai, um homem chinês, durante a guerra Sino – Japonesa e por isso, foi
considerada uma traidora da pátria no ambiente social, tendo que abandonar sua
vida para construir uma nova ao lado de um amor considerado proibido na época.
A busca no filme de Hui é muito mais pessoal, é como se
fosse uma terapia, onde Hui expõe algo que com certeza aconteceu com mais
pessoas em HK. Essa pessoalidade e o sucesso encontrado pela diretora em sua
jornada, apenas ajuda a expor essa busca de identidade em meio a um momento
importante como a reunificação já citada.
Filmes assim são comuns em todo o cinema de HK e eu poderia
ficar aqui citando exemplos e mais exemplos de uma filmografia complexa e que
deveria ser mais buscada e acessada por cinéfilos em todo o mundo,
principalmente em momentos de dúvidas pessoais e dificuldades na vida
cotidiana.
O cinema de HK prova que essas dificuldades, por incrível
que pareça, passam. Filmes como “Amores Expressos”, de Wong Kar-Wai, mostram
como o otimismo, por mais irônico que possa parecer, é possível de se ter, que
o amor é algo real mesmo que difícil de ser encontrado e que sua identidade por
ser achada mesmo em uma vida atribulada e rápida demais devido a rotina imposta
pela cidade grande.
Procurar esse cinema pode ajudar o espectador a entender mais da vida em si devido aos aspectos em comum que temos com os personagens e com os diretores dos filmes citados. Sendo assim, claro que há muito mais filmes do que aqueles citados nesse texto e caso você tenha chegado até aqui, garanto que não se arrependerá em procurar essas obras.
Esse texto faz parte de uma série sobre cinema de Taiwan e cinema de Hong Kong, escrita em conjunto com Paulo Campos. O texto escrito por Paulo Campos, sobre a história de Hong Kong, pode ser lido aqui.
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