Yi Yi, dirigido por Edward Yang - DIVULGAÇÃO |
Esse texto faz parte de uma série sobre cinema de Taiwan e cinema de Hong Kong, escrita em conjunto com Paulo Campos. O texto escrito por Paulo Campos, sobre a história de Taiwan, pode ser lido aqui.
Um cinema que retratou um momento, fechado em si mesmo, mas também com sentimento. Essa frase pode servir de resumo para descrever o cinema taiwanês, que teve seu auge com cineastas que falavam, principalmente, de suas vidas enquanto crianças ou pré-adolescentes crescendo em uma nação fundada por pessoas que fugiram de uma guerra, a entre nacionalistas x comunistas na China.
Claro que não foi apenas isso que serviu de base para o
cinema de Taiwan, até porque, nenhum cinema, de nenhum lugar do mundo, tem como
fundamento única e exclusivamente, um fato histórico, que de maneira
justificada gerou uma série de obras interessantes. Se fosse apenas isso, não
teríamos Edward Yang e Tsai Ming-Liang, teríamos “só” Hou Hsiao-Hsien.
O que, convenhamos, não seria nada ruim. O cinema de Hou, dentre esses diretores citados, é aquele que mais retrata uma Taiwan em crescimento. Um dos traços mais marcantes desse diretor é o fato de fazer o citado, de contar histórias de construção de uma nação, ao mesmo tempo que conta a própria história.
Hou apesar de contar histórias pesadas em temática, é um
diretor que sempre faz o público se sentir abraçado, acalentado, de coração
quente ao final de seus filmes. Talvez, os maiores exemplos disso sejam “Tempode viver, tempo de morrer”, no qual conta a própria história e “Cidade do
Desencanto”, que retrata um sentimento geral nos dias de hoje.
Ao retratar Taiwan dessa maneira, Hou constrói toda uma
filmografia que contribui para a linguagem cinematográfica como um todo. Há
vários grandes diretores vivos quando escrevo esse texto e Hou deveria ser mais
lembrado como um mestre inovador, no lugar até mesmo de diretores
estadunidenses que não fizeram metade do que Hou fez. De comédias a dramas, o
diretor taiwanês tem uma obra que vale a pena ser aprofundada.
Tempo de viver, tempo de morrer, dirigido por Hou Hsiao-Hsien - DIVULGAÇÃO |
Em “Cidade do Desencanto”, ele conta com a parceria de Wu
Nien-Jen. Ator, diretor e roteirista, Wu foi o roteirista desse filme e de
vários outros, o que faz dele também um nome indispensável no cinema taiwanês.
Por exemplo, é dele o roteiro de “Aquele dia, na praia” e é ele o protagonista
de “Yi Yi”, respectivamente, primeiro e último filme de Edward Yang.
Yang é um autor que, frequentemente e com certa razão, é
citado ao lado de Hou Hsiao-Hsien em termos de importância. Talvez, pelo fato
de terem sido contemporâneos e até mesmo terem contribuído nos filmes um do
outro, seja em produção, em papeis pequenos não creditados ou com o
protagonismo em alguma obra de grande relevância.
Esse é o caso de “Taipei Story”, onde Yang não apenas
retrata uma grande metrópole capitalista (Taipei), mas faz isso ao mesmo tempo
em que discute as relações entre pessoas dentro dessa cidade e como o trabalho,
de forma direta ou indireta, afeta um relacionamento amoroso e os faz ter
dúvidas sobre o futuro.
O protagonista desse filme é um jovem Hou Hsiao-Hsien, que é
melhor diretor do que ator, mas que Yang consegue transformar na epitome da
representação do homem no capital. Um rapaz sem perspectiva, sem futuro, em
meio a um relacionamento cuja namorada também sente o mesmo em relação ao
emprego e a vida. “Taipei Story” é talvez uma das grandes “biografias” do
capitalismo no cinema.
Ao contrário de Hou, que faz o público se sentir abraçado,
Yang engana o espectador constantemente, mesmo que muitas vezes nós já saibamos
o que vai acontecer e apenas não queiramos acreditar naquilo. Esse é o caso de
“Um dia quente de verão”, onde vemos a dúvida da geração que vai construir
Taipei como é hoje e vemos, mais ainda, os seus pais não sabendo lidar com essa
dúvida.
Um filme de época, que se passa pouco após o fim da guerra citada no primeiro parágrafo. O público que tem fluência na língua original da obra vai saber exatamente o que acontecerá no terço final dela, visto que o título original descreve, de forma literal, a cena mais marcante.
Taipei Story, dirigido por Edward Yang - DIVULGAÇÃO |
Um diretor que trabalha esses porquês de forma completamente
diferente e possivelmente mais intrigante, é Tsai Ming-Liang, devido a
variedade temática que ele usa em seus filmes, além de sempre trabalhar com o
mesmo ator (Lee Kang-Sheng), Tsai também usa o mesmo personagem em todos os
seus filmes.
Todos os personagens se chamam Kang e todas as histórias são
ao seu redor. Se no início, nos primeiros filmes, vemos um Kang jovem, com as
dúvidas e desejos habituais da juventude, nos filmes seguintes, vemos esse
mesmo Kang como um adulto que experimenta de tudo.
É aqui que Tsai ousa, porque quando eu digo de tudo, é de
fato, de tudo. Em “The Hole”, ele é um homem isolado que encontra um amor em
meio a um apocalipse, em “The Wayward Cloud”, Kang é um ator pornô que faz
coisas... intrigantes com uma melancia, em “Visage” ele é um diretor de cinema,
buscando inspiração para conseguir adaptar para as telas o clássico “Salomé”.
Em compensação, em “Dias”, longa mais recente de Tsai, Kang
é, novamente, um homem comum em busca do amor, dessa vez em uma Taipei clara e
silenciosa. Nesse filme, ele acaba por descobrir não só o amor, mas também a
saudade que esse deixa, que pode ser ainda mais forte ou mais dolorida que o
amor por si só.
Com exceção de Yang, os nomes citados aqui estão vivos e destes, Hou e Tsai ainda estão em atividade, com uma profundidade de temas e linguagem que apenas eles têm. Claro que o cinema de Taiwan não é formado apenas por esses nomes, mas eles são ótimos para começar a ver mais desses filmes e se aprofundar em um cinema que oferece muito mais que outros, mas que é infinitamente menos popular e merece mais atenção.
Esse texto faz parte de uma série sobre cinema de Taiwan e cinema de Hong Kong, escrita em conjunto com Paulo Campos. O texto escrito por Paulo Campos, sobre a história de Taiwan, pode ser lido aqui.
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