7/12/2021 12:00:00 AM

Cinema de Taiwan - Um momento na história

Yi-Yi
Yi Yi, dirigido por Edward Yang - DIVULGAÇÃO

Esse texto faz parte de uma série sobre cinema de Taiwan e cinema de Hong Kong, escrita em conjunto com Paulo Campos. O texto escrito por Paulo Campos, sobre a história de Taiwan, pode ser lido aqui.

Um cinema que retratou um momento, fechado em si mesmo, mas também com sentimento. Essa frase pode servir de resumo para descrever o cinema taiwanês, que teve seu auge com cineastas que falavam, principalmente, de suas vidas enquanto crianças ou pré-adolescentes crescendo em uma nação fundada por pessoas que fugiram de uma guerra, a entre nacionalistas x comunistas na China.

Claro que não foi apenas isso que serviu de base para o cinema de Taiwan, até porque, nenhum cinema, de nenhum lugar do mundo, tem como fundamento única e exclusivamente, um fato histórico, que de maneira justificada gerou uma série de obras interessantes. Se fosse apenas isso, não teríamos Edward Yang e Tsai Ming-Liang, teríamos “só” Hou Hsiao-Hsien.

O que, convenhamos, não seria nada ruim. O cinema de Hou, dentre esses diretores citados, é aquele que mais retrata uma Taiwan em crescimento. Um dos traços mais marcantes desse diretor é o fato de fazer o citado, de contar histórias de construção de uma nação, ao mesmo tempo que conta a própria história.

Hou apesar de contar histórias pesadas em temática, é um diretor que sempre faz o público se sentir abraçado, acalentado, de coração quente ao final de seus filmes. Talvez, os maiores exemplos disso sejam “Tempode viver, tempo de morrer”, no qual conta a própria história e “Cidade do Desencanto”, que retrata um sentimento geral nos dias de hoje.

Ao retratar Taiwan dessa maneira, Hou constrói toda uma filmografia que contribui para a linguagem cinematográfica como um todo. Há vários grandes diretores vivos quando escrevo esse texto e Hou deveria ser mais lembrado como um mestre inovador, no lugar até mesmo de diretores estadunidenses que não fizeram metade do que Hou fez. De comédias a dramas, o diretor taiwanês tem uma obra que vale a pena ser aprofundada.

Tempo de viver
Tempo de viver, tempo de morrer, dirigido por Hou Hsiao-Hsien - DIVULGAÇÃO

Em “Cidade do Desencanto”, ele conta com a parceria de Wu Nien-Jen. Ator, diretor e roteirista, Wu foi o roteirista desse filme e de vários outros, o que faz dele também um nome indispensável no cinema taiwanês. Por exemplo, é dele o roteiro de “Aquele dia, na praia” e é ele o protagonista de “Yi Yi”, respectivamente, primeiro e último filme de Edward Yang.

Yang é um autor que, frequentemente e com certa razão, é citado ao lado de Hou Hsiao-Hsien em termos de importância. Talvez, pelo fato de terem sido contemporâneos e até mesmo terem contribuído nos filmes um do outro, seja em produção, em papeis pequenos não creditados ou com o protagonismo em alguma obra de grande relevância.

Esse é o caso de “Taipei Story”, onde Yang não apenas retrata uma grande metrópole capitalista (Taipei), mas faz isso ao mesmo tempo em que discute as relações entre pessoas dentro dessa cidade e como o trabalho, de forma direta ou indireta, afeta um relacionamento amoroso e os faz ter dúvidas sobre o futuro.

O protagonista desse filme é um jovem Hou Hsiao-Hsien, que é melhor diretor do que ator, mas que Yang consegue transformar na epitome da representação do homem no capital. Um rapaz sem perspectiva, sem futuro, em meio a um relacionamento cuja namorada também sente o mesmo em relação ao emprego e a vida. “Taipei Story” é talvez uma das grandes “biografias” do capitalismo no cinema.

Ao contrário de Hou, que faz o público se sentir abraçado, Yang engana o espectador constantemente, mesmo que muitas vezes nós já saibamos o que vai acontecer e apenas não queiramos acreditar naquilo. Esse é o caso de “Um dia quente de verão”, onde vemos a dúvida da geração que vai construir Taipei como é hoje e vemos, mais ainda, os seus pais não sabendo lidar com essa dúvida.

Um filme de época, que se passa pouco após o fim da guerra citada no primeiro parágrafo. O público que tem fluência na língua original da obra vai saber exatamente o que acontecerá no terço final dela, visto que o título original descreve, de forma literal, a cena mais marcante.

Taipei Story
Taipei Story, dirigido por Edward Yang - DIVULGAÇÃO

A surpresa não está nessa cena, mas está na forma que ela é construída por Yang, com base, pura e simplesmente, na confusão que toda aquela geração de jovens vivencia todos os dias. Por que ir para a escola se não há emprego? Por que muitos deles chegam em casa e os pais não estão e demoram dias para voltar? E esses porquês permeiam toda a obra de Yang e sem dúvida a cena final de “Yi Yi” é o maior exemplo disso.

Um diretor que trabalha esses porquês de forma completamente diferente e possivelmente mais intrigante, é Tsai Ming-Liang, devido a variedade temática que ele usa em seus filmes, além de sempre trabalhar com o mesmo ator (Lee Kang-Sheng), Tsai também usa o mesmo personagem em todos os seus filmes.

Todos os personagens se chamam Kang e todas as histórias são ao seu redor. Se no início, nos primeiros filmes, vemos um Kang jovem, com as dúvidas e desejos habituais da juventude, nos filmes seguintes, vemos esse mesmo Kang como um adulto que experimenta de tudo.

É aqui que Tsai ousa, porque quando eu digo de tudo, é de fato, de tudo. Em “The Hole”, ele é um homem isolado que encontra um amor em meio a um apocalipse, em “The Wayward Cloud”, Kang é um ator pornô que faz coisas... intrigantes com uma melancia, em “Visage” ele é um diretor de cinema, buscando inspiração para conseguir adaptar para as telas o clássico “Salomé”.

Em compensação, em “Dias”, longa mais recente de Tsai, Kang é, novamente, um homem comum em busca do amor, dessa vez em uma Taipei clara e silenciosa. Nesse filme, ele acaba por descobrir não só o amor, mas também a saudade que esse deixa, que pode ser ainda mais forte ou mais dolorida que o amor por si só.

Com exceção de Yang, os nomes citados aqui estão vivos e destes, Hou e Tsai ainda estão em atividade, com uma profundidade de temas e linguagem que apenas eles têm. Claro que o cinema de Taiwan não é formado apenas por esses nomes, mas eles são ótimos para começar a ver mais desses filmes e se aprofundar em um cinema que oferece muito mais que outros, mas que é infinitamente menos popular e merece mais atenção.

Esse texto faz parte de uma série sobre cinema de Taiwan e cinema de Hong Kong, escrita em conjunto com Paulo Campos. O texto escrito por Paulo Campos, sobre a história de Taiwan, pode ser lido aqui.

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