
Porém, quando nada acontece é exatamente quando tudo acontece, a vida está no processo e não no objetivo ou fim. E com o passar dos anos percebi estar procurando isso nas coisas que eu vejo.
O filme de Charles Burnett é a obra perfeita sobre “nada”. E acho que ver a vida de Stan por 1h20 é um bom exercício, pois várias dúvidas surgem. O que realmente importa? A união daquela família ou a nossa vontade de ver algo acontecer? Que nesse caso, seria alguma briga entre o casal. Stan dançando com a esposa ou um algo “grandioso” acontecendo?
Nós, como sociedade, sempre esperamos algo grande e incrível e com isso, acabamos esquecendo de que esse algo maravilhoso está nos momentos pequenos entre o começo e o fim. Não a toa, o modo de consumo audiovisual mudou, porque o espectador perdeu a paciência com o processo e se tornou mais ansioso.
Séries muito comuns nos anos 2000, como Lost, Gilmore Girls, O.C, que usavam fillers para o espectador ver o processo daqueles personagens, o crescimento ou não deles, o caminho percorrido e que tem mais de 10 episódios por temporada, deram lugar a produções onde “tudo” acontece, mas esquecemos desse “tudo” logo após acabarmos de assistir.
E essas séries, assim como “Killer of Sheep” remontam a esse tempo onde nós como pessoas e espectadores nos importavamos mais com o caminho do que com aquilo que acontece no final dele.
Os meninos brincando na rua e correndo entre os prédios, a dinâmica do trabalho, onde inevitavelmente nos perguntamos “quem é o assassino (Killer) e quem é a ovelha? (sheep)”, a ida a corrida que dá errado, mesmo nas falhas há pequenas alegrias que Burnett nos mostra com maestria.
Lembro até hoje de quando o final de “How i met your mother” foi ao ar. O episódio final dizia em sua mensagem que o processo vale mais que o final dele e o público achou isso ridículo, porém, por mais que a série seja ruim, a mensagem está certa, o final dura segundos, o processo dura muito mais tempo.
É interessante como Charles Burnett realmente foi um precursor nessa forma de contar histórias e mais do que isso, usar a cidade de Los Angeles para contar essa história e principalmente, uma família e vizinhança negra. Não é um processo e um “nada” qualquer que vemos, é algo específicamente negro, muito próximo ao que acontece em bairros periféricos do Brasil.
O mais legal? Felizmente Burnett foi um precursor e não o único a contar histórias do tipo através de uma família negra. Hoje em dia temos a Filmes de Plástico com filmes como “Ela volta na quinta”, “O dia que te conheci”, “Marte Um”, onde vemos esse cotidiano e as pequenas alegrias e tristezas contidas ali.
Stan foi sim a origem, mesmo que inconscientemente, de personagens como Ryan Atwood, Rory Gilmore, todos aqueles na ilha em Lost, mas mais que isso ele foi o ponto de partida inicial de Zeca, Deivinho, Hirayama (Dias Perfeitos) e vários outros personagens em filmes e séries sobre “nada”.
E tudo isso, é só parte do processo audiovisual e não o final dele. Talvez nós nem estejamos aqui para ver esse final, eu espero que não tenha final, porém o começo foi com Stan, Charles Burnett e seu “Killer of Sheep”.