Imagem: Divulgação |
Há alguns anos atrás, não lembro qual a data, eu e meu pai
fomos a uma bienal de arte. Foi no Ibirapuera e como sempre gostei muito de
arte, me lembro desse passeio até hoje. A recordação mais forte é de uma
obra a qual nunca havia imaginado ser possível, dada a sua simplicidade. Era o
seguinte: a borda de uma cartolina preta cortada estava colada em uma parede em
branco, as “sobras”, os retalhos, estavam logo abaixo, completando o trabalho. Lembro
que disse “Como eu não pensei nisso antes? Isso é arte?”
Tempos depois, nos dias mais atuais, percebo que vivo minha
juventude em uma época insana. A barbárie está em todos os lados, as pessoas se
tratam com indiferença (não me excluo disso), não se importar se tornou automático,
rotineiro, somos uma sociedade de robôs, sem nenhuma expressão, e fazemos isso
para nos proteger, ao mesmo tempo em que nos afastamos.
Assim, ao ver um filme como “The Square”, foi inevitável não
lembrar do primeiro caso, devido a temática da obra, discutindo o que é ou não
arte e, em relação ao descrito no segundo parágrafo, o personagem principal
luta contra essa indiferença automática em relação aos outros, ele acredita nas pessoas.
Dirigido por Ruben Ostlund, obra vencedora do Festival de
Cannes de 2017, a projeção conta a história de Christian (interpretado por
Claes Bang). O homem acaba de se tornar curador do Museu de Arte
Moderna de Estocolmo. Ele está promovendo, como sua primeira exposição, a
mostra The Square, onde a intenção é colocar as pessoas próximas a um quadrado
(“Square” é quadrado na língua inglesa) e usando o sentido geométrico (de igualdade entre todos e cuidado
com os outros) fazer o público se importar mais com o próximo. Ele acredita nas
pessoas mas, quando seu celular é roubado, a dúvida entre manter seus princípios ou
ser indiferente, o assola.
O filme pode ser destrinchado a partir de sua primeira cena,
onde Christian diz para Anne (personagem de Elisabeth Moss, vencedora do Emmy de Melhor Atriz por "The Handmaid´s Tale), “se eu colocar sua
bolsa no chão, dentro do museu, vai ser arte?”. Esse debate, do que é ou não artístico
está presente em todas as cenas, devido a disposição da história feita
por Ostlund.
Claro, essa distribuição se deve a montagem. As cenas são
muito bem encaixadas, sempre levam o público a pensar em como tudo aquilo
pode ser incomodo, desconfortante (desconforto é um termo correto, como
mostrarei adiante). Assim, ao vermos a dificuldade do protagonista na administração
do museu, percebemos como é difícil explicar arte moderna para todos os
públicos.
Um exemplo claro disso é a cena onde a exposição “The Square”
é anunciada. Primeiramente, quando Christian está discursando, as pessoas estão
prestando atenção, por serem considerados um tipo de público “diferenciado”,
essa é a atitude esperada pelo curador, que muda sua fala quando percebe que os
ouvintes estão ficando cada vez menos atentos. Logo em seguida, quando a palavra
é passada para o chef do museu, eles já começam a sair dali e se dirigir a sala
de jantar, levando o atual palestrante a se indignar, em uma cena engraçada e
empática.
Mas o dominante mesmo no humor de “The Square” é o
desconforto, o teor das piadas é um tanto quanto sádico, um humor negro,
levando o espectador a sentir vergonha de estar dando risada daquilo. Porém,
isso não é um problema, porque esse humor é o facilitador da compreensão da
luta de Christian contra a indiferença humana.
Está bem clara a vontade do homem de melhorar, e está bem
claro a dificuldade dele em fazer isso. Quando seu celular é roubado, ele fica
em um misto de “eu tenho dinheiro, posso comprar outro” e “eu sei onde o meu
aparelho está, eu vou lá pegar e fazer justiça com as próprias mãos”. Na cena
em que está analisando a propaganda de sua exposição, vemos a sua indiferença
em relação a algo que pode gerar inúmeros riscos ao museu e em outros momentos, testemunhamos a luta
constante dele para tratar melhor as mulheres de sua vida: as filhas, a
jornalista e a assessora do museu.
Indiferença, palavra que nos leva novamente a discussão do
que é ou não arte. A melhor cena do filme é aquela onde um homem imita um
gorila em uma performance. Nela, vemos como as pessoas podem não se importar
com as outras, como a agressividade extrema leva a essas mesmas pessoas a
sentirem necessidade de agir. Inclusive, como a cena quase não tem cortes, o
peso dramático dela (grande por si só) é potencializado.
Porque nessa cena é onde vemos a que ponto o humano pode
chegar em relação a ignorância (no sentido de não ver o outro) e a linha tênue que
divide agressividade/humanidade. Por qual motivo ignoramos mendigos na rua? (e
o filme mostra vários moradores em situação de rua), por qual motivo quando
vemos uma briga não a apartamos? Porque diabos quando vemos um crime (seja de
qual cunho for) não interrompemos?
Simples: as pessoas não se importam! É isso que “The Square”
mostra tão bem. Ninguém se importa e não vão fazer isso tão cedo. O fato de o
filme expor isso de forma tão didática, o torna um dos melhores do ano, e pelo
filme ser tão sincero, merece estar entre as melhores projeções já realizadas!
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