8/20/2018 12:27:00 AM

Crítica: First Reformed

First Reformed
Imagem: DIVULGAÇÃO

Paul Schrader e Martin Scorsese, dois grandes nomes do cinema norte americano, contribuíram para a arte com filmes incríveis, como “Taxi Driver”, “Touro Indomável” e “A Última Tentação de Cristo”, sempre com o primeiro sendo roteirista e o segundo na direção.

O último filme citado no paragrafo acima, como o novo filme de Schrader, também diretor, tem uma semelhança essencial, a desconstrução de figuras religiosas, no caso do filme que é assunto dessa crítica, isso ocorre através dos efeitos que as palavras podem ter nas pessoas.


“First Reformed” conta a história do reverendo Toller – interpretado pelo ótimo Ethan Hawke – que após ministrar um culto em uma das igrejas mais antigas dos Estados Unidos, é abordado por Mary (Amanda Seyfried). Ela lhe pede que converse com seu marido Michael, ambientalista e ativista, devido a problemas psicológicos, assim, a relação entre eles se desenvolve.

Schrader cria uma obra que é sobre culpa e sobre as palavras que podem construir essa culpa e mesmo com a toda luta interna de cada um de nós, nunca conseguiremos saber o que o outro passa, logo, por mais que meçamos nossas palavras, todas as relações são arriscadas.

O reverendo Toller é uma dessas pessoas, ele sente culpa e desespero, disfarçando isso para viver em sociedade, usando a religião como apoio e o trabalho como forma de esquecimento, mesmo que ele nunca se esqueça de dois fatos – relevantes ao filme e que não contarei para evitar spoilers – que são os originadores da culpa.

Ele se sente preso, por isso a proporção do filme é a de 1:33, para mostrar o sentimento de solidão, combinado a claustrofobia pela qual ele passa em todo momento, tanto nos cultos, quando ele olha frequentemente para baixo evitando o olhar das poucas pessoas ali, quanto em casa, onde ele fica em apenas um cômodo, sendo que este possivelmente é o menor da residência.

Ao mesmo tempo em que ele busca o paraíso, esta procura é frequentemente reforçada graças ao brilhante roteiro de Schrader, que trabalha bem as culpas e os caminhos percorridos por Toller para se aliviar delas, desde a bebida, até o diário e claro, na figura de Mary, uma mulher na qual o reverendo vê uma amiga e também a figura de uma santa.

Isso é perceptível graças aos enquadramentos e aos figurinos, em relação aos quadros, a proporção citada acima, quando a personagem é mostrada com a câmera em frente a ela, vemos o plano que remete aos das santas, algo similar foi feito em “mãe!” de Aronofsky, emoldurando a personagem e os figurinos usados são roupas que em sua maioria tem capuz, usando este como uma espécie de véu em dado momento.

Como acompanhamos a história pelo ponto de vista de Toller, através do diário dele, fica claro que houve uma idealização da figura de Mary, que vai se desconstruído na medida que Toller vai sendo mais sincero com ele mesmo, principalmente em relação a não se cuidar e ao filho deste – sobre esse último tópico, veja o filme.

E a busca dele pelo paraíso passa a ocorrer com mais força na medida em que as palavras vão surtindo efeito sobre a culpa que ele sente, a mudança que ele tenta fazer passa a ser irrelevante e o apoio firme que o sustentou por tanto tempo passa a quebrar de forma gradativa, porém cruel.

Tudo isso fica muito exposto pela atuação brilhante de Ethan Hawke, onde vemos sua constante luta no olhar, a luta interna dele se torna visível quando a necessidade de mudança invade sua vida de maneira abrupta, levando mais desespero do que antes. A cena do Magical Mystery Tour serve como resumo desse ponto, mostrando o que Toller sente, sentiu e o que quer sentir, desconstruindo assim a figura do reverendo bem resolvido, algo similar ao que Bergman fez em Luz de Inverno (1963).

Porém, se Toller faz algo bem, é usar esse desespero para encontrar a esperança, como ele mesmo diz em certo momento, assim mantendo sua jornada interna para encontrar o céu particular, este pode ser o fim definitivo ou o reencontro com o amor.

Assim e com um final aberto brilhante que envolve essa jornada, Schrader tem em “First Reformed” um dos melhores filmes de sua carreira, que será melhor compreendido quanto mais ser assistido, aumentando o mistério e o impacto em relação a trama e claro, conquistando o espectador graças a pessoalidade e empatia contidas nos dois personagens centrais.

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