10/22/2018 02:21:00 AM

Crítica: A Favorita

A Favorita
Imagem: iMDB / FOX / DIVULGAÇÃO
Yorgos Lanthimos não é um diretor comum. O grego, que ganhou o mundo com “Dente Canino” (2009), uma metáfora do mito da caverna, tem em sua filmografia filmes atípicos, pesados, que vão até o fundo da alma humana através da violência, do sexo, da inteligência e do medo, um dos principais elementos do realizador.

“A Favorita”, não é o filme mais pesado de Lanthimos, possivelmente, é um dos mais leves, mas isso não significa que a obra seja de todo leve, para assistir com a família no natal. Escrito por Tony McNamara e Deborah Davis, a história é centrada em três mulheres, vivendo na época de uma das guerras (provavelmente, a guerra da sucessão espanhola) entre Inglaterra e França. A rainha Anne (Olivia Colman) tem gota e por causa dela não consegue andar direito, tendo perdido vários filhos, ela não tem herdeiros e precisa comandar o reino inglês, para isso, ela tem a ajuda de Lady Marlborough (Rachel Weisz), esposa do chefe do exercito e que vive ao lado da soberana, a auxiliando de todas as formas, seja na vida pessoal, ou na administração do reino, já que Harley (Nicholas Hoult) faz oposição ao reinado de Anne. A relação entre as duas mulheres muda quando Abigail Hill (Emma Stone), uma prima delas, que é criada no castelo, se aproxima da rainha.


Essa aproximação de Hill é como Lanthimos prefere dar vazão a sua história. O filme é sobre inveja e disputa de poder, tudo isso acontecendo de forma cíclica, dividido em 8 capítulos, com fotografia forte, trilha sonora com músicas clássicas, figurinos de época e claro, o surrealismo tradicional do diretor.

Pois, apesar de baseado em fatos reais, o filme é surrealista graças aos seus diálogos, que fogem da “nobreza” existente época e usa o visceral, o escatológico, para expor a temática principal e a liberdade feminina que essa temática leva em toda a sua duração.

Até porque, a inveja da projeção é centrada na liberdade feminina da qual as três protagonistas desfrutam, Anne se projeta em Abigail, querendo que Hill tenha a vida que ela como rainha nunca pode ter e deseja ter a liberdade física que Lady Marlborough tem, esta quer ter o poder que Anne tem, quer ser rainha, ela faz tudo pelo país, a própria diz isso e ela não fala isso a toa, é demonstrado com atitudes, ela finge amor e ciúme da rainha para conquistar esse poder. Já Abigail tem inveja da posição das duas, sendo prática ao tomar medidas para subir na hierarquia da família.

Tudo isso é mostrado através de uma fotografia que remete a arte barroca, com muitos jogos entre claro e escuro, como, por exemplo, quando Emma Stone é enquadrada no meio da escuridão, câmera em frente ao rosto dela, todo o resto do plano em preto, ou quando as cenas são na floresta, a câmera enquadra todo o local, com a lente olho de peixe (ou alguma parecida a essa) e a luz oprime o espectador, assim como nas cenas internas que são de dia, a claridade engole as personagens, como se fosse o poder consumindo as três mulheres.

As cenas tem poucos cortes, Lanthimos investe em panorâmicas leves para expor os cômodos onde a ação se desenrola, indo e voltando com a câmera em movimentos circulares em alguns momentos, ele também usa os travellings que lhe são característicos, para frente, se aproximando dos rostos das atrizes de forma a vermos suas imperfeições – e nesse caso, muitas vezes a câmera para por um momento e enquadra a personagem de baixo para cima, mostrando a força da protagonista enquadrada – para os lados, mantendo a cena em movimento enquanto algo importante acontece, fazendo o público ver aquele momento por outro ângulo, para trás, mas esses apenas nas cenas escuras, cinzentas, acompanhando o movimento para frente da atriz presente na cena, remetendo a “De Olhos Bem Fechados” (Dir: Stanley Kubrick - 1998), nesse caso, a escuridão assim como a luz no paragrafo acima, também tem o papel de consumir as mulheres.

Da mesma forma que o som, usado para servir como introdução a flashforwards que são inseridos no filme de forma elegante através de cortes secos, fazendo o público prever o que vai acontecer em alguns momentos e quebrando ou não, essas expectativas no decorrer do filme, usando um humor sarcástico junto a visceralidade das falas para a quebra de ciclo ser efetiva e chocante.

Até porque, a vida daquelas mulheres enquanto juntas é um ciclo dos mesmos fatos, só que acontecendo de forma diferente, a batalha pelo poder entre elas é inédita, mas, para a história é apenas uma repetição. É possível perceber isso pelas atuações incríveis das três atrizes, Colman, Weisz e Stone, que estão em situações diferentes no que diz respeito a poder, uma é a rainha, a outra é uma influente administradora do reino e a última é uma criada que, por ser da família, acha que tem direito a tudo aquilo.

Esses pontos são muito bem transmitidos por elas, Colman faz da Rainha Anne uma mulher que já foi intensa e interessada na vida, mas, por causa da perda dos filhos, ela se tornou uma pessoa triste e raivosa, como os gritos abruptos de raiva, quando tudo está bem demonstram, sem esquecer da necessidade que ela tem de atenção ininterrupta das mulheres que brigam por ela. Weisz faz de Lady Marlborough uma mulher intensa, inteligente, podendo ser cruel a qualquer momento no qual sinta seu poder ameaçado, como fica exposto na ótima cena onde ela cobra a rainha de maneira agressiva, enquanto Anne se rende, ela ganha confiança e assim, mantem o poder.

Porém, o destaque vai mesmo para a atuação de Emma Stone, possivelmente a melhor de sua carreira, criando uma personagem que se descobre ao longo da história, se ela começa sendo subjugada, ela acaba poderosa, confiante, sendo capaz de coisas que talvez ela nunca imaginasse, principalmente no que diz respeito ao aspecto político daquela sociedade, “eu descobri ser capaz de coisas que não imaginava”, ela diz em certo momento, é essa descoberta que faz a personagem crescer ao longo da projeção.

Mesmo com esse crescimento de Abigail no decorrer da obra, é notável como Lanthimos não faz de nenhuma das mulheres a protagonista exclusiva do filme, com tempo de tela quase igual para cada uma delas e as desenvolvendo de maneira unitária, como se fossem três partes da mesma pessoa, que vão se completando ou não durante a projeção.

Além disso, o diretor também faz uma crítica a sociedade atual através de uma das poucas metáforas do filme, os coelhos que Anne tem, que ela usa para substituir os filhos que perdeu, não passam de nada mais, nada menos, do que uma comparação com a quantidade de pessoas interesseiras que existem no mundo e que surgem tão rápido quanto os coelhos procriam, reparem, na primeira vez que os coelhos aparecem, eles são de fato os 17 que a Rainha diz ter, no fim do filme, com certeza tem muito mais do que essa quantidade, porque as pessoas querendo sugar o poder da Rainha aumentaram.

Discutivelmente, Yorgos Lanthimos tem aqui o melhor filme de sua carreira, uma história que é capaz de prender o público pelas suas duas horas, graças a seu roteiro, fotografia e atuações. Sem dúvida nenhuma, “A Favorita” é o filme mais acessível do diretor e um dos melhores lançamentos nos festivais de 2018.

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